Neste ensaio, propomos uma crítica sobre arquivos literários, refletindo, sobretudo o arquivo da Carolina Maria de Jesus. Nossa motivação primeira advém da leitura de Quarto de despejo (1960), da autora; livro que é sua estreia na literatura e contemplou seus cadernos de memórias, edição que teve, numa recepção de primeira hora, foco documental nos aspectos do ambiente social no qual ela vivia e sobre o qual ela registrara suas memórias. Passado esse interesse sobre os lugares periféricos, relacionando também a uma dita tradição literária brasileira que não recebe bem a escrita diarística que não a de um sujeito mesmo, a autora não conseguira, em vida, um lugar estável e de reconhecimento pela qualidade de sua escrita, na profissão de escritora. Cogitamos refletir sobre o arquivo da escritora, pensando o trânsito performático rumo às instituições custodiadoras, estas que são, sobretudo, de conservação de arquivos de escritores da tradição; deslocamento do texto literário dela, lido antes como documental, para os documentos de acervo, que são literatura em potência de ser editada e/ou reeditada, portanto, recebida e possivelmente repensada em outras críticas. Observamos o caminho desde o arquivo que é “cérebro do poeta”, às suas “impressões” literárias, a que o livro aqui analisado é bastante representativo, reforçadas as impressões sobre a vida, a literatura, a vida literária e a “sobrevida”, esta em senso derridiano, ao que conectaremos à perspectiva de “escrevivência de nós”, ato/termo elaborado pela escritora crítica Conceição Evaristo. Para este ensaio, convocamos, além dela, Foucault, Derrida, Bhabha, sem os quais não poderíamos questionar as formas e os conteúdos dos arquivos da colonialidade, estes também contribuidores para a formação da ideia de nação, a qual está representada nos arquivos da nação, seja pela presença do gênio, do herói, seja pela ausência do que é posto como popular, como antagonista, como marginal.