Violência Doméstica e Crianças em Risco: Estudo Empírico com Autos da Polícia Portuguesa

Abstract

RESUMO -Apresenta-se um estudo exploratório misto baseado na análise de autos de notícia e denúncia por crime de violência doméstica, reportados em 2010 à Polícia de Segurança Pública (Porto, Portugal). O objetivo do estudo foi examinar a presença de crianças, direta ou indiretamente envolvidas nessas situações. A análise estatística de 167 autos revelou que 45% referiam-se a famílias com filhos, admitindo-se que, em 29%, a violência era presenciada por crianças. A análise de conteúdo de 141 autos revelou existir também violência física e psicológica incidindo diretamente sobre as crianças e jovens, incluindo instrumentalização dos filhos. Conclui-se pela evidência do fenômeno de exposição de crianças à violência doméstica e pela necessidade de os agentes policiais reforçarem a sua formação para o atendimento a crianças em situação de risco. PALAVRAS-CHAVE: violência doméstica, criança em risco, autos da políciaABSTRACT -We present a mixed exploratory study based on the analysis of news reports and denunciations for domestic violence, reported in 2010 to the Public Security Police (Porto, Portugal). The purpose of this study was to examine the presence of children, directly or indirectly involved in these situations. Statistical analysis of 167 reports revealed that 45% were from families with children, and in 29% the violence was witnessed by children. Content analysis of 141 reports also revealed physical and psychological violence directly on children and young people, including their manipulation. We concluded that there is evidence of exposure of children to domestic violence and there is a need of police officers to reinforce their specialized training on children at risk.

A Criança Na Violência Interparental: Um Estudo De Casos / the Child in Interparental Violence: A Case Study

“…Um estudo da UNICEF, de 2006, estimava a existência de 275 milhões de crianças expostas, anualmente, à violência interparental (apud Howell, 2016). Contrariamente a outros países, em Portugal não dispomos de dados que permitam aferir com a exatidão desejada o número de crianças expostas à violência entre os seus pais/cuidadores (Sani, 2002b;Sani et al, 2018) xii . Todavia, "de acordo com a literatura, estima-se que entre 60% e 80% das crianças em famílias em que ocorrem maus-tratos à mulher testemunham essa violência" (Sani et al, 2018, p. 2).…”

“…O efeito de aprendizagem e a replicação de modelos aumenta o risco de comportamentos agressivos futuros, i.e., concorrendo para a transmissão intergeracional da violência, constata-se que o agressor pode ter sido, em determinadas circunstâncias, vítima direta ou indireta de violência familiar: "estudos com agressores conjugais adultos documentaram uma maior probabilidade de eles, por comparação a homólogos não violentos, terem testemunhado, na infância, a violência entre os seus próprios pais" (Fantuzzo et al, 1991, p. 258;Sani et al, 2013;Sani et al, 2018). Não obstante, é errado pensar que a violência pretérita, consubstancia, per se, uma condição necessária/suficiente, pois, de acordo com Manita, "apenas uma minoria dos agressores foi alguma vez vítima no passado" (apud CIG, 2016, p. 26, 36).…”

“…Face ao referido, pode-se afirmar que a violência interparental, constituindo um dos múltiplos fenómenos de vitimização mediadores das vidas de muitas crianças (Sani et al, 2013(Sani et al, , 2018, ao aumentar significativamente o risco de vitimação não só direta x , mas também indireta ou vicariante, irá repercutir-se negativamente no desenvolvimento da criança (Artz et al, 2014;CIG, 2016;Howell et al, 2016;Lawson, 2019;Paulino, 2020;Yaseen et al, 2020;Savopoulos et al 2023) xi .…”

Vidas ocultas e percursos adiados: (des)conexões entre políticas públicas e práticas institucionais sobre a violência doméstica

“…57/2021, de 16 agosto, produziu a última alteração realizada ao quadro legal da violência doméstica, visando alargar a proteção às vítimas. Atualiza o conceito de vítima, retirando as crianças que assistem a eventos de violência doméstica da invisibilidade social e jurídica a que têm vindo a ser submetidas (Sani e Carvalho, 2018), às quais passou a ser reconhecido o estatuto de vítimas primárias.…”