O aumento na escala e na intensidade da exploração dos territórios e dos bens hídricos se entrelaçam como base para a acumulação de capital. Após aprovada a nova lei de saneamento básico no Brasil (Lei N° 14.026/2020) – que deixa nas mãos da iniciativa privada a gestão hídrica e fragiliza ainda mais os direitos indígenas – a água passou a ser, também, cotizada na bolsa de valores de Wall-Street, propiciando a sua especulação, concentração e capitalização. É neste cenário que – no Brasil e na América do Sul – a abundância, a qualidade e os direitos a este bem comum, se tornam cada vez mais disputados pelo paradigma desenvolvimentista. Estes cenários contribuem para o desmonte das políticas hídricas e socioambientais, repercutindo violentamente nos povos indígenas e seus territórios. Mas o que significa a escassez hídrica e a perda de acesso e de direitos às águas para os povos indígenas? Há espaço nas ciências modernas ocidentais para as valiosas contribuições que as perspectivas ameríndias têm promovido no campo do conhecimento? Repensar as relações entre desenvolvimento, política, ecologia e natureza é urgente. Nosso objetivo é analisar o atual desmonte das políticas hídricas brasileiras no contexto sul-americano, buscando compreender a influência da privatização das águas sobre as vidas indígenas, principalmente Mbya-Guarani. Discute-se, também, como a contribuição das cosmovisões ameríndias podem auxiliar para a construção de um novo paradigma no que diz respeito à conservação da natureza, em especial dos bens hídricos. Metodologicamente, este artigo promove, a partir da observação participante e da pesquisa-ação, a construção de relações dialógicas entre pesquisadores(as) e um dos líderes político-espiritual Mbya-Guarani. Reconhecendo que os povos originários são essenciais para a conservação da natureza, entende-se que assegurar seus direitos territoriais e garantir a reprodução dos seus modos de vida permitirá a manutenção dos ciclos vitais do planeta (como o ciclo das águas).