Os timorenses valorizam as suas narrativas de origem, herdadas dos seus antepassados, na forma de lendas, contos, fábulas e mitos. Nas cerimónias rituais, tais como os ritos de consagração de casas sagradas e os ritos agrícolas, são invocadas personagens das narrativas de origem-divindades supremas e divindades intermédias, como espíritos da natureza e espíritos dos antepassados. Este texto parte deste pressuposto e explora a literatura oral timorense tendo em vista três objectivos principais. Em primeiro lugar, descrever e relatar as formas de documento e registo escrito das narrativas timorenses de origem; em segundo lugar, revisitar as tradições orais recolhidas e publicadas durante o período colonial português em Timor-Leste; por fim, explorar o significado de uma narrativa lendária ou mitológica de origem com vários títulos, partindo do caso da lenda de origem de Timor. O trabalho desenvolve-se em três partes. Começa por abordar os registos de lendas e narrativas orais timorenses na forma de texto, para depois reflectir sobre as tradições orais recolhidas e publicadas na era do Timor Colonial, e enfim concluir com uma interpretação de uma lenda com vários títulos. As informações sobre narrativas de origem aqui apresentadas foram recolhidas em diversas fontes bibliográficas e documentais publicadas em língua portuguesa no período colonial, com destaque para a imprensa periódica: em Timor, os jornais Seara-Boletim Eclesiástico da Diocese de Díli (criado em 1949) e Voz de Timor (do início de 1960); e, em Portugal, os jornais regionais Notícias de Gouveia e O Setubalense. O artigo adopta uma abordagem descritiva e interpretativa de cunho literário e antropológico, ou aquilo que poderá chamar-se uma antropologização do literário. Neste contexto, importa começar por considerações que servem de enquadramento geral para o que será desenvolvido ao longo deste trabalho. Como é sabido, lendas, mitos e contos são produtos de imaginação humana e base da invenção da sociedade. Nestas formas culturais, é crucial a figura do "narrador". O narrador é mais do que um simples indivíduo, que tem o dom de narrar coisas reais ou fictícias. Os coleccionadores ou compiladores de lendas e contos podem mostrar respeito pelos narradores, os quais procuraram, desde o início e dentro dos seus limites, colaborar com a imaginação dos autores anónimos, no sentido de recuperar e revalidar a história, que, em certos casos, sofreu modificações de narrador para narrador, ou de geração em geração (Paulino, 2012a:175). No caso