A vacinação define-se como o processo pelo qual a inoculação de um agente no corpo, seja um microrganismo ou uma substância, produz imunidade para uma determinada doença. 1 A sua origem histórica perde-se nos primórdios do segundo milénio, com relatos chineses de inoculações variólicas para prevenção da varíola, o mesmo acontecendo em África e na Turquia, onde aliás teve origem a técnica que, em 1720, Lady Montagu introduziu em Inglaterra. 2 Foi, no entanto, Edward Jenner quem trouxe uma abordagem de experimentação científica e em 1798 publicou os resultados da eficácia da inoculação do vírus da vaccinia (varíola bovina) na prevenção da varíola humana em 23 indivíduos, dando início à era moderna da vacinação. Demoraria quase um século para os trabalhos de Louis Pasteur trazerem algum incremento nesta área, com a descoberta da atenuação da virulência do agente, levando a uma explosão de conhecimento, traduzida pela descrição das vacinas contra a raiva e contra o antraz. A evolução ditou a erradicação da varíola, com o último caso descrito em 1977 A vacinação constitui uma das maiores vitórias da Medicina moderna, permitindo a prevenção de mais casos de doença e morte precoce do que qualquer outro tratamento médico. No entanto, o sucesso alcançado na diminuição do número de novos casos pode fazer esmorecer a motivação para o prosseguir, levando ao aparecimento de argumentos anti-vacinação que colhem em grupos mediaticamente muito ativos, e fazendo perigar a continuidade dos resultados alcançados.Neste artigo são revistos os aspetos éticos relacionados com a questão da não adesão e recusa à vacinação, enquanto afirmação dos princípios éticos da liberdade e da autonomia, e reflete-se no papel dos profissionais de saúde e instituições nesta matéria.Conclui-se que, mais importante do que a formalização de procedimentos para justificar a responsabilidade de quem recusa uma vacina, este momento deve ser encarado como uma oportunidade de fazer educação para a saúde, numa perspetiva de empoderamento do indivíduo e da população na lógica de uma melhor literacia que permita de facto a decisão informada, livre e esclarecida.Recebido em 03/08/2013 Aceite para publicação em 12/10/2013
ABSTRACT
AN ETHICAL VIEW OF VACCINE REFUSALVaccination is one of the most important victories of modern medical science. It has prevented more cases of disease and premature death than any other medical treatment. But this success may decrease the motivation to continue with vaccination, resulting in the appearance of arguments against vaccination from groups with high media impact. This may endanger the outcomes achieved.In this article, we review ethical aspects of poor adherence and vaccine refusal as expressions of patient autonomy and liberty. We reflect on the role of health professionals and institutions in addressing this question.We conclude that an episode of vaccine refusal involves much more than the formal procedures undertaken to justify the responsibility of those making the decision. It is an opportunity for health education that m...