Durante a segunda metade do século XX, muitos psicanalistas se alinharam, seja com Donald Winnicott – e a escola britânica –, seja 18 com Jacques Lacan – e sua escola francesa. A evitação de uma tradição em relação à outra parecia quase fóbica. Nas duas últimas décadas, entretanto, tem crescido o interesse pela leitura conjunta desses dois grandes analistas. Tem-se afirmado que Winnicott introduziu a tradição cômica na psicanálise (como indicam sua ênfase no brincar e, mais genericamente, seu “meliorismo”). Lacan, contrastivamente, sustentou a visão trágica de Freud (revelada, entre outras, pela lição “Não há relação sexual” e pelo fato de situar o analista no lugar da morte). Os seguidores de Lacan têm sido criticados por oferecerem pouca provisão ambiental a seus pacientes, além de ignorarem a contratransferência, ao passo que os seguidores de Winnicott têm sido criticados por superstimarem a contra-transferência e ignorarem o papel da linguagem na vida psíquica. Assim, em alguns aspectos, as teorias de Winnicott e Lacan revelam-se complementares e mutuamente limitadoras. A proposta desse paper, contudo, não é sugerir uma combinação das duas, a fi m de produzir uma nova teoria “total”. Pretendo, antes, impulsionar o ensino e a prática aprendendo com ambos: Winnicott, o analista da devoção, e Lacan, o analista do desejo.