Os casos chamam atenção não apenas para a negligência do empresariado e do poder público com tais empreendimentos, mas também para a imprevidência no que diz respeito à gestão das catástrofes. Recentemente, a gestão desses desastres tem se deslocado do eixo da investigação de possíveis crimes ou infrações legais para o eixo do tratamento administrativo de "conflitos socioambientais", aos quais são dedicadas tecnologias diversas de prevenção de disputas, com ênfase em acordos orientados à construção de pretensos pactos entre partes potencialmente litigantes.No caso de Mariana, o gerenciamento da crise derivada do desastre tem implicado na mobilização de dispositivos específicos, como mesas de negociação e a assinatura do "Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta", celebrado entre a União, os governos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e as empresas responsáveis (3). Tais dispositivos são mobilizados sob a justificativa da necessidade de uma ação mais célere e eficaz em contraste com a ênfase em punições por via da judicialização, com a responsabilização dos agentes corporativos e o cumprimento das demandas colocadas pelos atingidos.Não obstante as justificativas, esse processo de contratualização (4) se realiza, de fato, em detrimento dos espaços e possibilidades de participação dos atingidos e apoiadores, segmentos que não foram ouvidos ou consultados quando da elaboração do referido termo. Tal tratamento evidencia os limites das instituições de defesa dos direitos que, a partir de receituários oriundos de instituições financeiras internacionais para o uso de tecnologias resolutivas, circunscrevem o debate político ao ajuste de interesses entre as partes. Desse modo, sob a égide de uma harmonia coerciva (5), escamoteia-se a discussão acerca do modelo de desenvolvimento adotado, os riscos envolvidos nas atividades econômicas priorizadas e as responsabilidades dos agentes corporativos na profusão de incertezas e danos.Este artigo analisa as classificações administrativas e as ações adotadas por parte do Estado e das empresas que culminam no sofrimento social e na perpetuação de injustiças socioambientais. Sob o manto da mediação e do acordo, por vezes operam imposições excludentes, cujo efeito é a flexibilização de direitos já garantidos pela Constituição Federal. Como se discutirá, a redução das possibilidades de participação enseja não só o agravamento de vulnerabilidades desencadeadas pelo desastre, mas a marginalização das mobilizações locais dos atingidos. Cabe lembrar que os desastres não se limitam ao evento catastrófico, mas se desdobram em processos duradouros de crise social, frequentemente intensificada pelos encaminhamentos institucionais que lhe são dirigidos, o que faz perpetuar o sofrimento social. do conceito de conflito ambiental Entende-se por conflito ambiental aquele que surge dos distintos modos de apropriação técnica, econômica, social e cultural do mundo material (6). Os conflitos ambientais têm sido associados a situações de disputa sobre a apropriação dos recursos e serviç...