A idéia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo numa abstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos. Oferece o mesmo cardápio, o mesmo figurino e, se possível, a mesma língua para todo mundo.Ailton Krenak A epígrafe que inicia esse editorial traz no cerne do debate o dilema do projeto de mundo que vem nos últimos séculos alimentando a construção de nossos corpos-territórios. Este projeto, que intitulamos de moderno-colonial, finca raízes que suprime e busca apagar a pluralidade para as vestes de o Imperialismo estabelecer essa abstração civilizatória com o rótulo atualizado de desenvolvimento e progresso. Este projeto que vem pilhando e violando os povos que são secularmente excluídos, silenciados e marginalizados de seus modos de vida, seus direitos, suas ancestralidades e agrobiodiversidades, fazendo com que a Terra esteja em colapso.Entende-se que a situação catastrófica do mundo atual é uma crise construída pelo ato de uma burguesia não aceitar o diferente, de não coabitar sem buscar controlar as riquezas e dádivas do planeta, usando do processo de alienação e de armadilhas para com os povos originários e comunidades tradicionais. Nesse sentido, a astúcia e o embuste do Imperialismo, impetrada pelo capitalismo, colonialismo e patriarcado, faz com que haja um descolar dos nossos ciclosHá várias atrocidades e dilemas sendo configuradas e moldadas nos territórios e cabe a nós ler e tecer análises para nos clarear ideias ou aprofundar sob o obscurantismo de coisas que ainda não temos conhecimento. E nesse ponto espera-se que os textos deste número da Revista Mutirõ. Folhetim de Geografias Agrárias do Sul traga as leitoras e leitores compreensões, assombros e questionamentos para re-pensar e re-imaginar geograficamente a realidade que se vive. Almeja-se que esses artigos científicos possam ser folheados, degustados e tornem-se peças para novos olhares para cada leitora e leitor, conectando-se com sonhos e poesias de mundos possíveis, buscando desvendar as dinâmicas e lutas travadas contra os agentes do sistema capitalista, bem como os personagens e sujeitos que escrevem, resistem e lutam contra essas lógicas. Jeannette Rosa Bengoa Lazarte nos mostra como está acontecendo a inserção trabalhista leva a disfuncionalidade familiar de jovens rurais que residem na província de Caylloma, Arequipa, Peru. Analisando que estes jovens possuem baixa demanda de trabalho no campo e poucas oportunidades na continuidade da formação escolar, verifica-se como a precarização e exploração do trabalho em outras regiões é feito através das migrações sazonais. Logo, estes vão estar adentrando em uma alta rotatividade de trabalhos, com uma dinâmica laboral precária e instável, levando suas famílias terem uma dinâmica, afetando a vida sociofamiliar.A pesquisa realizada em duas comunidades tradicionais litorâneas do Ceará nos coloca em debate a problemática da energia eólica, que vem assolando as comunidades tradicionais e o movimento de ambientalistas do Nordeste nas últimas décadas. Nesse sentido, este trabalho busca responder quais são os critérios e processos usados para a escolha e implementação de uma área para receber o parque eólico. Os autores se debruçam nesta empreitada e contribuem a partir de produção de banco de dados e mapeamentos investigativos para uma análise quali-quantitativa.Thiago Assunção dos Santos e Eduardo Oliveira Miranda apontam a necessidade do debate descolonial para repensar o bairro em seu contexto histórico-social, compreendendo as resistências da diáspora africana presente na rua Nova, levando este a ser situado como bairro negro. A partir da averiguação das relações espaciais, de vizinhança e manifestações culturais pode-se deslumbrar que a negritude é um agente de transformação do espaço, não sendo algo passivo e alienante aos interesses da burguesia.A pesquisa documental sobre ‘O lugar da Agroecologia no currículo da graduação em Geografia’ nos evidencia a urgência de pensarmos os motivos da presença e ausência de disciplinas que tenham como cerne a Agroecologia nas instituições públicas de ensino superior do Brasil. Nesse ponto, o artigo possibilita as leitoras e leitores a questionar sobre a relevância da formação de geógrafos/as e professores/as de Geografia em um mundo posto pela predominância da não autonomia alimentar e a fome imposta pelos Impérios agroalimentares, que é guiado corporações multinacionalizadas do Agronegócio.O artigo de Roberto Paulo Joaquim e Lourenço Ocuni Cá procura expor os dilemas e possíveis perspectivas de superação sobre os serviços públicos de Guiné-Bissau, que são entravados pela inoperância e corrupção do Estado, sendo necessária uma renovação. Para os autores a renovação deve-se acontecer por meio da inovação tecnológica no setor público, gerando um serviço de qualidade, produtividade e que reduza a morosidade da ineficiência do Estado.O trabalho desenvolvido por Paulo Lucas Cândido de Farias aponta os principais aspectos discutidos na disciplina Agricultura Familiar Camponesa e Ordenamento Territorial para sua pesquisa sobre Etnogeomorfologia. Ofertada de forma remota pelo PPGeo (Programa de Pós-Graduação em Geografia) da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) em contexto da pandemia da Covid-19, que teve a colaboração de diversos docentes de programas de pós-graduação e dos movimentos sociais, essa disciplina pode trazer ao autor outras vivências e maneiras de pensar os conhecimentos tradicionais e suas formas de resistência para seus saberes e fazeres para as lutas em defesa do meio ambiente.No debate sobre a geopolítica e o conceito de região, Gerlane Gomes da Rocha e Rodrigo Dutra Gomes nos apresentam uma análise sobre o pensamento geográfico de Manuel Correia de Andrade, importante personagem na construção e interpretação sobre os dilemas sociais que aflige o Brasil, em especial a região Nordeste. Nesse artigo pode-se aprofundar um pouco sobre a relevância e a atuação política sobre as modificações espaciais que ocorriam no mundo e no Brasil, notando as relações e olhares sobre a natureza e sociedade.Já o texto de Lucas Oliveira do Amorim e Flavia Charão Marques procura debater as experiências e práticas dos sujeitos sobre as políticas de convivência do semiárido, a partir de um estudo em Cumaru, localizada em Pernambuco. Com esse estudo pode-se notar como a partir dos interesses e perspectivas camponesas há uma intervenção e transformação nas políticas, não seguindo uma lógica hierarquizada, pois cada pessoa (re)planeja e (re)implementa essa política a partir do seu cotidiano.Pela necessidade e rede de pesquisadores/as que vem articulando a centralidade no debate modernidade/colonialidade na América Latina demonstra-se um número crescente de trabalhos entre jovens pesquisadores/as. Nesse contexto, Thiago Pessoa de Melo e Júlia Figueredo Benzaquen avaliam como os referenciais teóricos pós-coloniais e decoloniais estão emergindo em trabalhos de conclusão de curso de duas Instituições de Ensino Superior (IESs) de Pernambuco, visibilizando temáticas que antes não eram dialogadas no meio acadêmico.Ariadne Fernanda Ferraz Vieira e Ananda do Nascimento Rego nos mostra um relato sobre a aula de campo que teve como itinerário Gravatá-PE, Petrolina-PE, São Raimundo Nonato-PI e Lagoa Grande-PE. Nesse texto pode-se notar a importância e necessidade da aula de campo para as/os futuras/os profissionais da Geografia, especialmente licenciandas/os, criando vivências empíricas e práticas que estivermos impedidos de ter por conta do período de isolamento social pela pandemia da Covid-19.Renata Cavalcante Tenório nos brinda com um relato sobre experiências também vividas a partir da disciplina Agricultura Familiar Camponesa e Ordenamento Territorial, mas seu foco foi o de pensá-las para a participação social local. De tal modo, a partir das leituras dos referenciais teóricos e das aulas, a autora problematiza como nas aulas foi desconstruída a visão do agronegócio posta pelas mídias, vendo as lutas e resistências das camponesas e dos camponeses para a conservação e preservação dos bens da natureza.Com estes trabalhos vamos aos estudos e a compreensão da imbricada e complexa realidade agrária latinoamericana.
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