Defenderemos que Foucault e suas críticas à psicanálise servem aos estudos queer quando, diante da dimensão produtiva do poder, interrogam os saberes pertinentes aos corpos sujeitos e suas sexualidades. Foucault faz problematizar o que quer que apareça na forma da fixidez, da norma ou, ainda, como mais fundamental, originário e a priori ao sujeito em seus devires. Suas análises são base aos desenvolvimentos queer pois, assim como estes, apontam para Isso: essa “coisa estranha”, esse “não-lugar”, esse “estar-entre”, essa “diferença tática”, cuja característica é perturbar a estabilidade e a presunção de naturalidade das identidades hegemônicas. Se emaranhadas em noções foucaultianas, as questões queer suscitam um processo de autocrítica pelo qual dá-se a possibilidade de afirmarmos a instabilidade, a ambiguidade e a indeterminação de todas as identidades, de todas formas da sexualidade, dos prazeres, assim como todas modalidades de corpo-sujeitificação/generificação. Não por completo, mas muito à luz do que Foucault e suas leituras da psicanálise fazem pensar, veremos que as teorizações queer reivindicam a afirmação de um espaço sempre transitivo, marginal e subversivo, cuja meta não unívoca é não se presumir a priori como modelo universal e endossável na e pela norma.
O inconsciente, a grande descoberta freudiana, foi o responsável por toda a composição da teoria psicanalítica. Como toda teoria, passou por adaptações de acordo com as descobertas de Freud, que se via na necessidade de reestabelecer as regras e os meios de funcionamento do aparelho psíquico. Através das antinomias pulsionais, das topologias relativas ao inconsciente e, em particular, da melancolia como pivô entre tópicas, mostraremos como Freud possibilita pensar não só as consequências da perda objetal, mas como esta influencia na composição do Eu. Elegendo-a como fundamental à instauração da segunda tópica, advogaremos que é a partir da melancolia que Freud nos permite compreender o Eu como descentrado e despossuído por uma “cena outra” que o coloca numa situação perpetuamente deficitária. Do advento da segunda tópica, defenderemos que Freud foi capaz de desvelar um Eu que é, também, inconsciente.
Dos estudos que Merleau-Ponty dedica à noção de corpo, este projeto versará sobre os modos como a relação entre sexualidade e existência pode ser compreendida à luz de uma reinterpretação ontológica e fenomenológica da psicanálise freudiana. Com efeito, a partir de Três Ensaios sobre e Teoria da Sexualidade, veremos, num primeiro instante, como os atos humanos não são determinados apenas por um inconsciente falho e involuntário; dado que as produções do inconsciente do outro influem sobre as fontes do inconsciente subjetivo (e vice-versa), em Freud o teor destes atos possuiriam antes uma significação pulsional de ordem sexual e conflitiva que se estenderia da infância (onde é predominantemente polimorfa, perversa e autoerótica) à vida adulta (onde coloca-se à serviço da função reprodutora, sob o primado da zona genital) e que, objetiva e causal, deveria ser medida e direcionada para mantermos, em termos de economia libidinal, o controle de nossa vida sexual frente a ordem social. No entanto, haveria, aí, algo censurável, pois, se o analista – ao refletir sobre sua pratica – serve-se de uma teoria formulada em terceira pessoa e se distancia do discurso produzido em primeira pessoa pelo consulente, a sexualidade seria antes uma força biológica que, distante, determinaria as ações humanas. Assim, se desejamos devolver a vida mental ao mundo da vida sem, contudo, perder o aspecto essencialmente sexual de nossos desejos e paixões, será em Maurice Merleau-Ponty onde estes atos não serão mais objetos de contemplação, e sim vivências que, em carne e osso, expressam a maneira pela qual co-pertencemos a um mundo inter-humano. Para este, o corpo – nem puramente objetivista, nem puramente subjetivista – remete à nossa forma ampla de inserção no mundo da vida: na junção entre natureza e liberdade, é potência exploratória e é por ele que o ser vai ao mundo. E se assim o for, a partir de obras como A Estrututra do Comportamento, Fenomenologia da Percepção, O Visível e o Invisível, etc., o mesmo só pode ser compreendido a partir da relação que mantem com outras realidades sensíveis, para além de uma experiência para mim. Será preciso, portanto, considerar a afetividade e a sexualidade como modos de ser que evidenciam nossa relação com as coisas (partes constituintes do nosso trato com o mundo), sem apresentar-se independente da infraestrutura existencial humana. Partindo da própria estrutura psicanalítica, a obra de Merleau-Ponty revelará, na sexualidade, uma atmosfera que não é nem transcendência da vida humana, nem imagem de representações conscientes ou inconscientes, mas coextensiva à vida. Evitando certos pressupostos segundo os quais a sexualidade – seguindo uma causalidade própria – determinaria as demais esferas da vida, veremos que grande parte dos problemas descritos pela psicanalise não remetem necessariamente à uma estrutura sexual, mas estão antes ligados à atitude geral de ser no mundo, que envolve sempre o campo sexual. Posta de bases fenomenológicas, veremos, portanto, que a reinterpretação de Merleau-Ponty acerca da sexualidade não apenas devolve o ser a sua vivência de mundo, como dissolve a ideia de uma identidade estática e objetiva, pois esta, sendo corpo no mundo em relação com a alteridade, será sempre implícita e misteriosa.
Dos estudos que Maurice Merleau-Ponty dedica à noção de corpo, este artigo versa sobre os modos como a questão da sexualidade pode ser compreendida. Com efeito, dentro desta perspectiva, o corpo não se confunde com aquilo que se pode pensar dela a partir de uma perspectiva tanto objetivista quanto subjetivista, mas diz respeito à nossa forma ampla de inserção no mundo da vida. Na junção entre natureza e liberdade, o corpo não é da ordem do “eu penso”, mas do “eu posso” – é potência exploratória. Assim, ser corpo é estar amarrado a certo mundo; é só por ele que o ser vai ao mundo. Todavia, se assim o for, o mesmo só pode ser compreendido a partir da relação que mantem com outras realidades sensíveis, para além de uma experiência para mim. Deste modo, será, pois, preciso passar a considerar a afetividade e a sexualidade como partes constituintes do nosso trato com o mundo. Enquanto modo de ser que evidencia nossa relação com as coisas, sem apresentar-se, contudo, independente da infraestrutura existencial humana, revisitaremos, portanto, O Corpo como Ser Sexuado presente na Fenomenologia da Percepção e veremos como este a) nos abre para o outro, b) revela o nosso estilo de ser e c) nos mostra a promiscuidade entre existência e vida sexual.
Das leituras de Merleau-Ponty sobre Husserl, este artigo discute como a fenomenologia transcendental põe-se fora da empiria ao desvelar a consciência como domínio apodítico e defender a formulação de condições universais para qualquer experiência concreta. Sendo impossível abandonar o primado do corpo, Merleau-Ponty alerta para a inviabilidade de retirarmo-nos totalmente dos envolvimentos mundanos, entendendo que a filosofia transcendental precisa saber seus limites e não abandonar seu caráter de incompletude. O francês remaneja as teses husserlianas e redefine as noções de consciência e representação sem, todavia, suprimir a experiência da encarnação. Admitindo uma promiscuidade entre o empírico e o ideal, é a partir do corpo que encontraremos esta inserção primordial pela qual estamos envolvidos com o transcendental. Será no paradoxo do corpo enquanto consciência e experiência integrativa do homem no movimento do ser-no-mundo que compreenderemos as intenções racionais e vitais.
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