Na sua configuração tradicional, o herói é aquele que realiza sozinho um grande feito e assim se destaca da multidão (Bolz 765). Para a teoria da heroicidade, a condição heroica é determinada tanto pelo agir do herói quanto pelo reconhecimento da sua ação, através da palavra que celebra e conserva a memória do ato extraordinário. 2 A poesia épica constitui a mais paradigmática forma de expressar pela palavra o reconhecimento e a conservação da memória do herói O reconhecimento indica o significado supraindividual da ação, que encarna valores considerados relevantes por uma coletividade. O reconhecimento da ação relevante, portanto, e não o êxito ou o fracasso, é o critério decisivo da heroicidade. Na tradição da poesia épica, a ação heroica é sobretudo guerreira. Contudo, observa-se já desde o Renascimento uma ampla abertura do heroico para outros campos, como a política, a religião, ou a ciência. 3 O gênero épico não deixará de acompanhar a busca por novos modelos do heroico que se segue à crise do Antigo Regime. A persistência ou retorno do herói se daria sob formas substitutivas ou compensatórias, encarnadas em diferentes versões. Desse modo, ganham também uma aura heroica, por exemplo, personagens poetas 4 ; a esfera da vida privada e da família é deslocada em direção ao heroico 5 , e a subjetividade irrompe como categoria romântica central também na literatura heroica. 6 É com a revolução romântica, portanto, que temos um imenso ímpeto inovador que vai esboçar transformações fundamentais que, em muitos casos, porém, tornam problemático o reconhecimento da ação. Neste amplo cenário de permanência e transformação da heroicidade, analisamos, neste artigo, uma situação específica, encontrada em dois textos canônicos do século XIX latino-americano: "I-Juca-Pirama" (1851), do brasileiro Antônio Gonçalves Dias (1823