Introdução: A cefaleia é uma queixa frequente, não sendo raros os casos de automedicação. Este artigo relata a abordagem da cefaleia por uso excessivo de medicamentos (CUEM) numa doente automedicada com analgésicos, cuja intervenção foi dificultada pela má adesão ao acompanhamento médico. Descrição do Caso: Mulher de 41 anos, empregada de limpeza. Antecedentes de enxaqueca desde a adolescência, agravada depois do segundo parto, com episódios semanais, sem alívio após tentativa de vários fármacos. Em 2015, após referenciação para consulta de neurologia, iniciou profilaxia com amitriptilina, tendo suspendido precocemente e abandonado o seguimento. Nos três anos seguintes teve consultas motivadas por doença aguda na unidade de saúde familiar, sem acompanhamento regular. Por persistência da enxaqueca recorreu ao serviço de urgência em jan/2018, onde foi referenciada novamente à consulta de neurologia, constatando-se automedicação com paracetamol + codeína, vinte supositórios em cada episódio de enxaqueca (com duração de três dias). Iniciou profilaxia com topiramato e agendou-se nova consulta. Suspendeu topiramato por emagrecimento e faltou à consulta. Recorreu à consulta da médica de família (MF) em jan/2019, referindo tristeza, insónia, obstipação e emagrecimento. Mantinha os episódios semanais de enxaqueca e o uso de supositórios. Após despiste de causa orgânica diagnosticou-se perturbação depressiva e CUEM. Explicou-se que o abuso medicamentoso poderia causar cefaleia e que o tratamento passaria pela cessação do fármaco. Foi medicada com antidepressivos e, nas consultas de reavaliação, constatou-se recuperação ponderal, melhoria do humor, cefaleia menos frequente e redução do uso de supositórios até à abstinência. Comentário: A CUEM desenvolve-se pelo uso excessivo de medicação para a cefaleia, sendo a suspensão da medicação o único tratamento eficaz. A doente manteve uma situação de abuso medicamentoso durante oito meses, tendo como consequência uma CUEM e correndo risco de toxicidade hepática. O MF é fulcral na deteção e abordagem precoce do abuso medicamentoso.
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