H á um velho discurso que jamais sai de cena, talvez por encontrar sempre vozes dispostas a defendê-lo, que insiste em alardear a crise da representação política. Esse discurso é possivelmente tão antigo quanto a própria representação política, uma vez que os princípios que norteiam o governo representativo traduzem-se em dispositivos institucionais que permanecem inalterados desde o século XVIII (Manin, 1995;Urbinati, 2006). No entanto, se a estrutura dos governos representativos não foi substancialmente modificada desde a sua criação, talvez não sejam procedentes as suposições de que a mesma encontre-se agora em crise.Os sinais do que alguns chamam de crise, portanto, podem simplesmente indicar uma mudança na forma pela qual a representação políti- ca se manifesta. No atual momento histórico, estamos certamente diante de uma destas mudanças. Nos últimos anos, assiste-se progressivamente ao surgimento de modelos participativos (Pateman, 1970; Mansbridge, 1980; Barber, 1984; Fung e Wright, 2003;Fung, 2004;Avritzer, 2007 Avritzer, e 2009) e deliberativos (Cohen, 1989;Fishkin, 1991;Habermas, 1992;Gutmann, 1996;Bohman, 1996;Dryzek, 2000) de democracia, propostos muitas vezes como alternativas capazes de sanar os supostos vícios do governo representativo e de suas instituições.
259O engajamento suscitado pelas propostas participativas e deliberativas de democracia pode ser observado como uma tendência dentro da academia, através da adesão massiva dos estudiosos da teoria democrática, mas também fora dela, através da adesão concreta de governos às novas práticas participativas e experiências deliberativas. O Brasil desde sempre acompanhou esta tendência, em particular desde 1989, quando o orçamento participativo foi implementado pela primeira vez, em Porto Alegre, e o país tornou-se estudo de caso necessário sobre o assunto e a experiência foi replicada país adentro e mundo afora (Baiocchi, 2003; Fung e Wright, 2003; Sintomer, Röcke e Herzog, 2010).Desde então, diversas práticas participativas, impulsionadas pela Constituição de 1988 e pelos governos democráticos que se seguiram a ela -notadamente o governo Lula -, têm sido institucionalizadas de forma crescente no país (Avritzer, 2009;Dagnino e Tatagiba, 2007;Gurza Lavalle et alii, 2006). Tais práticas vão desde as já mais tradicionais, como o referendo e o plebiscito, até as menos conhecidas, como as conferências nacionais de políticas públicas, passando pela reestruturação e ampliação de experiências pré-existentes, como os conselhos nacionais de políticas, os conselhos gestores locais e as audiências pú-blicas, sem prescindir da valorização de práticas menos afamadas, como as ouvidorias e as mesas de negociação e de diálogo.Ao olhar-se para essas novas práticas democráticas, nota-se logo seu intuito comum de ampliar a participação dos cidadãos para além do exercício do direito de sufrágio. O principal pressuposto a nortear tais experiências, portanto, é o de permitir que os cidadãos envolvam-se de forma mais direta na gestão da coisa pública, em particular na...