Analisamos neste trabalho a formação do movimento social surdo brasileiro e o seu papel no reconhecimento da língua brasileira de sinais (libras) pelo Estado. Fazemos isso com base em uma extensa pesquisa qualitativa realizada durante cinco anos nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, abrangendo entrevistas com militantes surdos, intelectuais e agentes públicos, além de documentos escritos e iconográficos de acervos particulares e arquivos de organizações, instituições e órgãos públicos. O marco teórico foi embasado, sobretudo, na obra do sociólogo italiano Alberto Melucci, com base na qual descrevemos o movimento surdo como um sistema de relações sociais composto principalmente por pessoas surdas, grupos e organizações de surdos, cuja emergência se deu nos anos 1980, no contexto das lutas por direitos e cidadania das pessoas com deficiência no período da redemocratização pós‐regime ditatorial militar (1964‐1985). Resgatamos as manifestações da primeira geração de ativistas surdos, suas ideias, experiências e objetivos da militância e, no estudo do progressivo empoderamento do movimento surdo, nas décadas de 1980‐1990, descrevemos sua campanha para o reconhecimento jurídico da libras em âmbito nacional, reconstruindo eventos e processos capitais, como as grandes passeatas, as petições entregues a autoridades públicas e o lobby junto a parlamentares. Ao mesmo tempo, desvendamos a profícua interação de ativistas surdos com um conjunto de intelectuais, principalmente linguistas, fonoaudiólogos e pedagogos, na produção e circulação de um discurso afirmando o estatuto linguístico da libras e a visão dos surdos como uma minoria cultural e linguística, o qual subsidiou a construção de uma nova ideologia e identidade coletiva partilhada pelos membros do movimento. Esses e outros desdobramentos revelaram‐se fundamentais para que o movimento surdo desempenhasse papel preponderante no processo de criação da Lei Federal n° 10.436, de 2002, que reconheceu a libras como meio legal de expressão e comunicação das comunidades surdas no Brasil, constituindo‐se em um marco para as políticas públicas na área da surdez.