Neste artigo, teço uma reflexão acerca do ensino de literatura, com enfoque na prática da escrita literária em sala de aula como uma importante e potente ferramenta para a formação crítica dos/as alunos/as. A partir de uma discussão acerca do que é literatura (ECO, 2003; EAGLETON, 2006), e de como ela vem sendo ensinada (LAJOLO, 1994; ZILBERMAN, 1990), argumento em prol da exploração da escrita criativa (MORLEY, 2007), mais especificamente, a escrita literária, no âmbito do ensino de literatura como uma maneira de ampliar as possibilidades pedagógicas dessa disciplina. Mas apenas isso: entendendo a necessidade de criação (por meio da imaginação, fabulação) como um traço inerente ao ser humano, conforme apontado por Gullar (2014) e Candido (1995), exploro a maneira como a escrita literária pode funcionar como uma ferramenta utópica (SOUSA, 2007; SZACHI, 1972), que promove uma educação do desejo (LEVITAS, 2011), por meio da qual os/as alunos/as podem exercitar a liberdade de criar mundos outros, lançando um olhar crítico para o mundo à sua volta. Em última instância, tal prática almeja ser uma outra forma cativar os/as alunos/as, tornando-os/as leitores/as críticos/as — objetivo primordial do ensino de literatura.
Atlas de nuvens (Cloud Atlas, 2004), de David Mitchell, é um romance que tem como traço fundamental a intertextualidade, a qual é explorada por meio de citações, alusões, e referências ao longo de toda a narrativa. Dentre os diversos intertextos presentes na obra, o diálogo com as tradições literárias da utopia e da distopia representa uma importante dimensão desse romance, tendo em vista que essa memória da literatura utópica/distópica está presente em momentos cruciais do texto. Uma vez que a forma como o romance encontra-se estruturado implica um jogo de espelhos entre cada uma das seis histórias que o compõem, e que os mecanismos da metaficção (HUTCHEON, 1980) e da autotextualidade (DALLENBACH, 1979) convidam a uma leitura concêntrica do texto, isto é, atenta às relações que a narrativa estabelece consigo mesma, é possível observar a presença de elementos utópicos e distópicos mesmo nas histórias deste romance que não estão imediatamente ligadas a essas tradições literárias. Sendo assim, com base em teorizações sobre intertextualidade (COMPAGNON, 1996; GENETTE, 2010; JENNY, 1979; KRISTEVA, 2005; SAMOYAULT, 2008), distopia (BACCOLINI; MOYLAN, 2003; BEAUCHAMP, 1983; CLAEYS, 2017), utopia e utopismo (LEVITAS, 2001; SARGENT, 2014), o presente artigo tem como objetivo identificar e analisar as relações intertextuais que o romance de David Mitchell estabelece com a utopia e a distopia, e, partir disso, tecer uma reflexão sobre as imagens por meio das quais o utopismo, enquanto força transformadora, é explorado ao longo do texto.
Apresentação do Dossiê Temático MINUTO 2 - Movências Interdisciplinares da Utopia.
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