Seletividade da esfera pública e esferas públicas subalternas: disputas e possibilidades na modernização brasileira Fernando PerlattoResumo O artigo analisa o processo de constituição da esfera pública no Brasil. Sugere-se a hipótese segundo a qual, pelo menos desde o século XIX, constituíram-se uma esfera pública seletiva e esferas públicas subalternas. Para sustentar o argumento proposto, procura-se, por um lado, estabelecer um diálogo com a literatura internacional dedicada à reflexão em torno do conceito de esfera pública -em especial com as formulações realizadas por e a partir de Jürgen Habermas -, com o intuito de explorar as transformações que essa categoria passou no decorrer dos anos, dando ênfase especial ao conceito de "subaltern counterpublics", proposto por Nancy Fraser. Por outro lado, busca-se, com apoio de estudos historiográficos realizados no decorrer das últimas décadas sobre a sociedade brasileira dos séculos XIX e XX, construir uma formulação teórica acerca do processo de configuração da esfera pública no Brasil. Além de problematizar as teorias que sustentam a inexistência de uma esfera pública no país, ou que concebem sua constituição somente a partir do final do século XX, procura-se apontar não somente para a necessidade de um olhar histórico mais acurado para a compreensão das esferas públicas "seletiva" e "subalternas", mas um movimento analítico no sentido de perceber outras formas de associativismo como legítimas que não se prendam ao paradigma organizacional do mundo europeu ou norte-americano. O artigo contribui tanto para uma melhor compreensão histórica do processo de configuração da esfera pública no Brasil quanto para um entendimento mais bem compreendido da dinâmica de organização e mobilização das "esferas públicas subalternas", chamando a atenção para suas potencialidades ao aprofundamento da democratização do país. PALAVRAS-CHAVE I. Introdução 1Já é bem conhecida pelas nossas ciências sociais a capacidade exemplar das elites brasileiras, ao longo dos anos, de mudar para conservar. Os pactos por cima, que procuraram excluir de todas as formas o povo das decisões significativas da nação, não se configuraram como pequenos ínterins na nossa trajetória, mas se constituíram como condição sine qua non capaz de assegurar o andamento conservador da modernização no Brasil. O processo modernizador por aqui, ao contrário do ocorrido em outros paradigmas clássicos, não se configurou como uma ruptura com o "atraso", mas como um longo processo contínuo, marcado pelo entrelaçamento entre o "arcaico" e o "moderno", logrando constituir uma ordem social altamente desigual, na qual o elemento da continuidade tendeu a prevalecer sobre o da transformação. Durante muitos anos, a razão dualista -que opunha pares de conceito como arcaico-moderno, rural-urbano, agrário-industrial, sociedade fechada-sociedade aberta, sociedade estagnada-sociedade dinâmica, sociedade tradicional-sociedade de massas, feudalismo-capitalismo -foi considerada como a chave explicativa da realidade nacional, sendo mobiliz...
Em 2004, o sociólogo americano Michael Burawoy proferiu uma conferência presidencial no encontro da American Sociological Association que causou furor entre os participantes, além de ter ecoado para o campo global das ciências sociais contemporâneas. Nela, Burawoy pregou -e essa nos parece ser uma boa palavra -a revitalização da tradição da sociologia pública, entendida como uma prática científica reflexiva orientada para a comunicação democrática entre sociólogos e diferentes públicos. Como texto escrito, o discurso de Burawoy tinha onze teses, ao estilo dos manifestos clássicos da tradição marxista (Burawoy, 2005). Não pretendemos analisar todas essas teses exaustivamente aqui, mas apenas apontar os traços gerais da argumentação 2 . 1 Por periferia entendemos aqueles países que surgiram no bojo da grande expansão colonial europeia a partir do século XVI e que ocuparam lugar subordinado na divisão internacional do trabalho. É claro que os realinhamentos geopolíticos contemporâneos desafiam a dualidade centro-periferia, mas acreditamos que o conceito possa ser operacional em termos históricos, além de evidenciar a assimetria entre Norte e Sul no que se refere à circulação global de conhecimento. 2 Desde a publicação desse artigo, Burawoy vem produzindo uma série de trabalhos nos quais procura apresentar de maneira sistematizada suas concepções
Variações do mesmo tema sem sair do tom: imprensa, Comissão Nacional da Verdade e a Lei da Anistia * Resumo Este artigo objetiva investigar o papel da imprensa no debate público em torno da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a partir da análise dos editoriais publicados sobre o tema pelos jornais Folha de São Paulo, O Globo e O Estado de São Paulo. Busco compreender de que maneira esses jornais participaram das controvérsias públicas sobre as "memórias conflitantes" da ditadura e da transição democrática, enquadrando determinadas interpretações e representações sobre esse passado. Apesar de algumas diferenças, é possível perceber um posicionamento comum dos editoriais desses jornais, que se aproximam no sentido de enquadrar o debate público sobre a CNV com o intuito de defender a Lei da Anistia, de 1979, se contrapondo à sua revisão e à punição daqueles que praticaram violações aos direitos humanos como agentes do Estado.
Fernando Perlatto* Resumo: Ao longo das últimas décadas, a historiografia brasileira tem dedicado cada vez mais atenção ao estudo da vida cotidiana, valorizando dimensões e aspectos que foram negligenciados pelas pesquisas influenciadas por abordagens estruturalistas. As pesquisas sobre os regimes autoritários no Brasil, particularmente, têm se beneficiado diretamente deste processo de renovação historiográfica, buscando analisar de forma mais complexa as relações entre Estado e sociedade civil, dedicando atenção especial aos homens e mulheres "comuns" e àqueles segmentos sociais que não participaram diretamente dos embates políticos. Em diálogo com a historiografia brasileira dedicada a essa agenda de pesquisa, o presente artigo objetiva analisar a obra da escritora bielorrussa Svetlana Aleksiévitch no sentido de refletir sobre o cotidiano de homens e mulheres "comuns" durante os anos da experiência autoritária da União Soviética. A partir da mobilização de milhares de testemunhos, os livros de Aleksiévitch, que formam o que ela chamou de "Enciclopédia Vermelha", contribuem para uma melhor compreensão da relação entre os "grandes" acontecimentos que tiveram curso na URSS impulsionados pela "Grande Utopia" socialista no século XX e o cotidiano do Homo Sovieticus. Palavras-chave: Svetlana Aleksiévitch; Grande Utopia; cotidiano; Homo SovieticusAbstract: Over the past decades, Brazilian historiography has devoted increasingly greater attention to the study of everyday life, appreciating dimensions and aspects that have been neglected by research influenced by structuralist approaches. Research on authoritarian regimes in Brazil, particularly, have been directly benefited from this process of historiographical renovation, seeking more complex ways of analyzing the state's relationship with civil society, devoting special attention to the "ordinary" man and women and to social groups that did not directly take part in political struggles. In dialogue with the Brazilian historiography dedicated to this research agenda, this articles aims to analyze the work of Belarusian writer Svetlana Aleksiévitch in order to reflect about the everyday life of "ordinary" men and women during the years of authoritarian experience of Soviet Union. Based on thousands of testimonies, Aleksiévitch's books, forming what the author herself termed "Red Encyclopedia", contribute to a better understanding of the relationship between the "big" events that took place in USSR in the twentieth century driven by the socialist "Big Utopia" and the everyday life of Homo Sovieticus.Keywords: Svetlana Aleksiévitch; Big Utopia; everyday life; Homo SovieticusResumen: Durante las últimas décadas, la historiografía brasileña ha dedicado cada vez más atención al estudio de la vida cotidiana, valorizando dimensiones y aspectos que han sido ignorados por investigaciones influenciadas por enfoques estructuralistas. Las investigaciones sobre los regímenes autoritarios en Brasil, en particular, se han beneficiado directamente dados biográficos_biographic data
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