A emergência da criminalidade organizada nas prisões brasileiras, em especial no Estado de São Paulo, constitui objeto deste artigo. Tomam-se como ponto de partida e referência para análise as ondas de ataques desencadeadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), de maio a agosto de 2006, que resultaram em inúmeros mortos, paralisaram cidades e acuaram as autoridades encarregadas de aplicar lei e ordem. A emergência da criminalidade organizada é analisada sob eixos determinados: cenário internacional e contexto brasileiro, antecedentes históricos, enraizamento do crime na sociedade e papel das políticas públicas penitenciárias.
O objetivo deste artigo é analisar o perfil das rebeliões no sistema carcerário do Brasil, desde a década de 70, recuperando, para tanto, a reflexão produzida sobre estes eventos na França, nos Estados Unidos e no Reino Unido. O artigo tem por argumento principal que as rebeliões nas prisões brasileiras, nos últimos quinze anos, estão associadas tanto às condições degradadas de encarceramento como às deficiências do Estado em exercer o controle sobre o quotidiano prisional, permitindo que grupos criminosos organizados exerçam o poder sobre a massa carcerária, utilizando-se das rebeliões para a eliminação dos inimigos e o fortalecimento de sua posição de domínio frente ao staff prisional.
Leis penais e instituições são sempre propostas, discutidas, legisladas e operadas por meio de códigos culturais definidos. Elas são estruturadas em linguagens, discursos e num sistema de signos que corporificam significados culturais específicos, distinções e sentimentos que devem ser interpretados e entendidos quando se quer tornar inteligível o sentido social e aquilo que motiva a punição. Dessa forma, mesmo que alguém queira discutir que interesses econômicos e políticos formam a base determinante das políticas penais, esses "interesses" devem, necessariamente, operar por meio das leis, linguagens institucionais e categorias penais que estruturam e organizam as ações penais. GARLAND, 1995, p. 198 1 R e s u m o A contribuição de David Garland: a sociologia da punição Este artigo apresenta uma revisão das discussões teóricas acerca da punição e das políticas de segurança no mundo contemporâneo, tendo por foco principal o trabalho de David Garland, Punishment and modern society: a study in social theory.
IntroduçãoAs prisões tornaram-se objeto de crescente interesse para as ciências sociais ao longo do século xx. Diversos aspectos ocuparam a reflexão acadêmica durante os anos de 1950, sobretudo a partir da literatura norte-americana, como, por exemplo, a configuração da prisão como um sistema social, os descompassos entre os objetivos dessa organização e os resultados alcança-dos, as relações de poder estabelecidas entre os presos e seus custodiadores, as dinâmicas sociais entre os presos, os efeitos do encarceramento sobre as relações familiares, as rupturas da ordem interna etc.As mudanças nas políticas penais, desde meados da década de 1970, que provocaram em muitos países um intenso processo de encarceramento (cf. Christie, 1999;Garland, 2001; Wacquant, 2001), ampliaram consideravelmente os objetos de interesse e o volume da reflexão acadêmica sobre as prisões. A redefinição dos objetivos e finalidades da prisão no mundo contemporâneo, os efeitos da longa permanência de presos em regime de confinamento mais severo, as revoltas e rebeliões e a privatização de prisões foram alguns dos novos temas debatidos. 62Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 25, n. 1 62 Das Comissões de Solidariedade ao Primeiro Comando da Capital em São Paulo, Uma questão central que tem atravessado muitos dos eixos de reflexão sobre as prisões é a do ajustamento dos indivíduos presos aos dispositivos disciplinares, bem como a da resistência a esses dispositivos através de estratégias complexas que mobilizam as ações individuais ou por meio da ação coletiva oriunda de grupos organizados que possam potencializar a não aceitação das regras impostas institucionalmente.O foco da análise aqui empreendida são justamente os efeitos para a dinâmica prisional, e mesmo para a sociedade mais abrangente, da existência de grupos de presos não só constituídos e reconhecidos pelas autoridades como legítimos interlocutores na condução dos assuntos prisionais, mas também aqueles que buscam legitimidade entre os presos com base em outros fundamentos (códigos e lógicas do mundo do crime) que não o reconhecimento da legitimidade pela autoridade institucional. Trata-se de analisar essa dinâmica na sua verticalidade, ou seja, na relação dos custodiadores com os presos e vice-versa, e na dimensão de sua horizontalidade, isto é, entre os próprios presos. Em ambas as direções, são muitos os efeitos dessas relações no interior das prisões e para além de seus muros.Para o desenvolvimento empírico de tal questão, será explorado o "caso" do sistema prisional do estado de São Paulo, onde nos anos de 1980, durante o governo Montoro, as autoridades estimularam a formação de Comissões de Solidariedade dos presos (que tiveram existência formal breve) e onde depois surgiu, na década seguinte, o grupo autodenominado Primeiro Comando da Capital (pcc), que se mantém atuante ainda no presente. Embora situados em contextos políticos e sociais diferentes, pretende-se, com a análise comparativa da emergência desses dois acontecimentos no interior do sistema prisional pa...
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