Eu queria pegar um avião, ir lá em Brasília me esclarecer: por que é que a gente passa massacre? O corpo do índio será que não presta? Será que esse osso do meu irmão não presta? O coração da gente aperta, e por isso que a gente passa reintegração de posse, que a gente enfrenta. A gente vem aqui cuidar dos ossos. Se eu sair, onde é que eu vou guardar o meu irmão, como eu vou cuidar do osso dele? (p. 199) Em um momento onde muitas das discussões antropológicas se voltam para a questão do fim do mundo, apoiadas em textos de Isabelle Stengers, Bruno Latour, Viveiros de Castro e Débora Danowski como alguns dos nomes protagonistas desse debate em torno do Antropoceno, os Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, em meio à violência cotidiana, tem muito a transmitir através de sua escatologia, sobre a conexão do presente com o futuro. Ao contrário do senso comum, construído pelo que foi divulgado pela mídia sobre a onda de suicídios, que reflete um povo desacreditado perante a situação de conflito com proprietários de grandes latifúndios, o livro do Corpo ao Pó traz uma outra perspectiva de encarar a morte e as incertezas da vida: "Perguntei aos indígenas sobre violência, eles me responderam com corpo, terra e cosmos" (p. 34). Espremidos em poucos hectares e massacrados constantemente em diferente sentidos esses indígenas seguem lutando pela demarcação de seus tekoha. Logo na introdução, Morais deixa claro sua posição em campo: é advogado de formação, atuante na causa indígena, e o mestrado em Antropologia, do qual derivou o livro, veio por outra motivação. O objetivo tinha relação com as taxas de homicídios e suicídios como justificativa primeira. A sua ideia inicial era realizar o trabalho de campo nas fazendas, como forma de obter dados sobre a gestão dos conflitos pelo viés do agronegócio. Fatos como o surgimento de empresas de segurança privada no Mato Grosso do Sul, a forma como as organizações desses produtores rurais falavam publicamente sua posição de proteção a sua terra em detrimento das reivindicações indígenas, ou seja, pelo modo como a situação estava abertamente configurada, era de se pensar que essa seria uma etnografia ousada, mas possível. Pressuposto que logo caiu por terra, quando a morte de uma liderança indígena e seus desdobramentos na mídia local, nacional e até internacional tensionou de vez os conflitos na região. E lembremos então do movimento de solidariedade nas redes sociais, em 2012, quando muitas pessoas