Resumo: A realidade dos movimentos sociais é bastante dinâmica e nem sempre as teorizações têm acompanhado esse dinamismo. Com a globalização e a informatização da sociedade, os movimentos sociais em muitos países, inclusive no Brasil e em outros países da América Latina, tenderam a se diversificar e se complexificar. Por isso, muitas das explicações paradigmáticas ou hegemônicas nos estudos da segunda metade do século XX necessitam de revisões ou atualizações ante a emergência de novos sujeitos sociais ou cenários políticos. Este estudo busca, inicialmente, uma compreensão acerca da nova configuração da sociedade civil organizada, explicitando os múltiplos tipos de ações coletivas do novo milênio. 1A partir desta compreensão, busca-se explorar a diversidade identitária dos sujeitos, a transversalidade nas demandas por direitos, as formas de ativismo e de empoderamento através de articulações em rede e, finalmente, a participação política das organizações em rede.
Este texto pretende trazer alguns indicativos para se pensar em que medida as redes de movimentos sociais na América Latina apresentam pistas para políticas emancipatórias. Para se analisar a capacidade ou potencial de redes de movimentos sociais desse continente na construção de referenciais emancipatórios, partiu-se do pressuposto de que demandas materiais devem ser traduzidas em representações simbólicas, a fim de aproximar os atores das redes, permitir a construção de identidades coletivas e criar elos simbólicos de referência no interior das redes, que possibilitem a convergência de suas pautas políticas. Verificou-se, ainda, como a intersubjetividade na rede se constrói a partir de referências normativas compartilhadas e quais os principais níveis constitutivos para o empoderamento de uma rede de movimento. Trata-se, pois, de verificar como atores coletivos específicos, localizados e com demandas particulares, tornam-se movimentos sociais mais abrangentes do ponto de vista de suas demandas e de seus territórios de atuação, com pautas políticas mais universais. Isto é, como está sendo construída a passagem de ações coletivas restritas a movimentos sociais propriamente ditos.
O presente texto visa a analisar em que medida as manifestações de rua de 2013 no nosso país se diferenciam organizacional e politicamente das grandes manifestações do século XX e como se deu a relação entre movimentos sociais organizados e manifestações nos dois momentos históri-cos. Tendo em vista a grande quantidade de pautas nas manifestações recentes, que vão do desejo de transformações nos sistemas social, cultural e político a demandas por institucionalização de novos direitos humanos e por políticas públicas mais ampliadas, foram analisados os compartilhamentos e as articulações que produziram alguma unidade ou identificação na política. Concluiu-se que os protestos em relação ao campo institucional da política e às carên-cias no campo dos direitos humanos foram relevantes para uma subjetivação que explicasse a presença compartilhada nas ruas de atores sociais com orientações políticas diversas. PALAVRAS-CHAVE: Manifestação pública. Movimento social. Ativismo. Redes sociais virtuais. UM BREVE HISTÓRICO: das manifestações de rua no BrasilPara entender a pluralidade de forças sociais nas manifestações de rua de 2013 no Brasil e suas peculiaridades, é esclarecedor contextualizá-las no processo histórico das manifestações em nosso país. Não é verdade que as grandes manifestações são um fato inédito no Brasil, como apareceu em algumas falas. Temos uma história de manifestações nas quais a juventude ou os estudantes foram protagonistas relevantes ou principais. Comparando com as grandes manifestações anteriores no Brasil, desde meados do século XX -como as mobilizações contra a ditadura, as Diretas Já, os Caras Pintadas e o Movimento pela Ética na política, além das manifestações mais regulares, como o Grito dos Excluídos, as Marchas das Margaridas, os movimentos pela Reforma Agrária, ou dos atingidos por barragens, movimentos negro, indígena, etc. -, há fatos comuns, mas também diferenciações que merecem serem lembradas. Hoje, uma das diferenças está na convocatória pelas redes sociais virtuais, o que trouxe o povo para rua quase em tempo real, ampliando o número de manifestantes e os locais de protestos. Isso causou uma enorme visibilidade na mídia e o respectivo impacto político, produzindo uma resposta rápi-da da parte do sistema político. Mas também produziu uma diversidade de demandas, muitas vezes conflitivas e antagônicas entre si, sobre as quais voltaremos a tratar.A juventude é, e historicamente tem sido, bastante idealista e, muitas vezes, quer mudar o mundo, o sistema político e relações do cotidiano. Isso não é novo, apesar de nem sempre ter tido visibilidade. Teve visibilidade em 1968, em várias partes do mundo e no Brasil, com o movimento estudantil que foi às ruas e teve de enfrentar o regime militar, além de, paralelamente, propor mudanças no sistema político e nos valores culturais.Em relação a 1968, para o Brasil, são mais lembrados a Passeata dos Cem Mil, que reuniu universitários, intelectuais, artistas e muitos cida-* Doutora em Sociologia. Professor titular da
Ilse Scherer-Warren O sociólogo francês Alain Touraine deve ser dos poucos pensadores contemporâneos europeus que pensaram a democracia, a modernidade e os sujeitos sociais no contexto da América Latina. Acostumados a observar como europeus e norteamericanos não parecem muito preocupados em "pensar" esta região do planeta, pelo menos na área da pesquisa sobre movimentos sociais, o trabalho de Touraine apresenta-se altamente relevante e bastante instigante. A sua extensa obra demonstrou inquietações não meramente teóricas ou de caráter analítico, mas também uma evidente preocupação com as diferentes dinâmicas históricas e culturais das complexas sociedades latino-americanas nos seus diversos contextos históricos e geográficos. Pode-se considerar, sem dúvida, que houve e há muito a aprender-se sobre a América Latina, a partir do olhar e das reflexões analíticas desse sociólogo. Por isso, em uma tentativa de esclarecer os diversos aportes de Alain Touraine para a Sociologia em geral e o debate político contemporâneo em particular, parece-nos oportuno considerar a originalidade interpretativa do autor para a análise da realidade latino-americana e, conseqüentemente, para a compreensão da dinâmica dos sujeitos pessoais e coletivos no nosso presente. Discutir a sua teoria poderia conduzir-nos a comparar a diversa gama de contribuições do autor com outros clássicos da Sociologia Políti-ca, combinar as suas reflexões com contemporâ-neos como Habermas ou Giddens ou talvez o contrastar com as teorias criticas e com os seus eventuais pontos de contato e discordâncias. Porém, o presente trabalho insere-se em uma discussão em que não se procura situar Touraine frente a pensadores e teóricos sociais contemporâneos particularizados, mas sim "re-situá-lo" em relação às contribuições teóricas e analíticas acerca da modernidade, da democracia, da política em geral e das mudanças culturais no heterogêneo contexto latino-americano.Primeiramente, deve-se considerar que a diversidade de formas de como observar e analisar 1 Apresentado no XI Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado em setembro de 2003 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Uma versão preliminar deste artigo foi publicado em Gadea e Scherer-Warren (2005).
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