Minha gratidão aos Wajãpi é imensa. Agradeço a hospitalidade, a comida, o caxiri, os cuidados e, sobretudo, os ensinamentos. Mas, como os etnólogos estão fartos de saber, tal coletividade não existe para além de nossas ficções e do Estado, por isso agradeço àqueles que me acolheram em suas moradas: Kuruwari, Nawyka e seus queridos filhos, filhas, netos e netas; ao amigo Matapi; Kaiko, suas esposas e Apu'a; ao imponente Waiwai, às suas esposas Parua e Werena e ao seu filho Tarakwasï; Wei e sua doce família;
Resumo: Pretendo explorar neste artigo as relações entre os domínios da roça (koo) e da floresta (ka'a), importante oposição da cosmologia wajãpi (grupo Tupi que habita o estado do Amapá). Ka'a e koo, contudo, não se constituem como uma oposição fixa, mas antes como posições relacionais que se movem, nas quais a capoeira ocupa um papel fundamental. Algo que é evidenciado tanto numa dinâmica de ocupação territorial -por meio do cultivo de áreas de mata primária e o abandono dos roçados após a colheita -, quanto por meio das relações perspectivistas que movimentam as categorias de roça e floresta, plantas cultivadas e não-cultivadas, através de distintos sujeitos. Nesse contexto, compreender a dinâmica das relações entre floresta e roçado é fundamental para melhor refletir sobre como algumas famílias wajãpi entendem a atividade agrícola. Proponho essa reflexão estabelecendo um diálogo com ecologia histórica que aponta para a existência de florestas antropizadas, contexto em que a agricultura se apresenta como uma atividade central para a produção de biodiversidade.Palavras-chave: Wajãpi. Roças. Capoeiras e florestas. Florestas antropizadas. Agricultura indígena. Ontologias ameríndias. Abstract:In this paper I intend to explore the relationship between the areas of garden (koo) and forest (ka'a), a major opposition in Wajãpi cosmology. The Wajãpi are a Tupi group located in the state of Amapá. In their cosmology the garden and forest do not constitute a fixed opposition, but represent relational positions that move into two directions: a dynamic of territorial occupation by cultivating areas of primary forest, followed by the abandoning of clearings after the harvest; and perspectival relationships that shift the categories of garden and forest, cultivated and non-cultivated, through different subjects. In this context, understanding the dynamics of the relationships between forest and cultivation is critical for a better comprehension of the Wajãpi perspective on agricultural activity. I propose a reflection that establishes a dialogue with historical ecology that points to the existence of anthropic forests. In this way, agriculture is presented as a central activity for the production of biodiversity and areas of anthropic forests.
O estrangeiro que chega à aldeia Jarawara pela primeira vez 1 -em meio à curiosidade que marca encontros como este, o alívio por descansar após a longa e desconfortável caminhada e a alegria de encontrar uma aldeia tão bonita -ouve na fala discreta das pessoas o vocábulo amosákê 2 marcando o desfecho de toda conversa. Trata-se de um verbo, namosá/amosá (a depender da oração), que abrange uma série de ideias referentes aos feitos que deixam algo ou alguém mais bonito: renovar, limpar, refazer, consertar, transformar. Bonito não apenas em termos de beleza, mas também no sentido de "certo", "bom", "boa", "bem feito", "renovado", "do jeito que deve ser".Há uma grande preocupação das pessoas em deixar tudo à sua volta "bonito" e "certo" (amosákê). De forma a ilustrar esta ideia, lembro que as casas devem ter seus arredores capinados, retiram-se periodicamente as ervas daninhas dos roçados, e a aldeia está sempre asseada, marcando de maneira contrastante sua diferença com a floresta -tal como podemos encontrar em outros povos ameríndios como, por exemplo, os Piaroa (Overing 1999). As pessoas se visitam apenas quando estão limpas e perfumadas -e só assim aceitam posar para fotos. As uniões matrimoniais devem ser "certas", com os cônjuges apropriados. A comida deve ser gostosa e nutritiva. Os filhos devem obedecer aos pais. Tudo deve ser novo: as madeiras das casas, os barcos, as roupas, as pessoas. Quase como se o namosá exagerasse um ideal do "viver bem" (Gow 1997); uma estética jarawara da produção do novo… do belo, do certo.O namosá mobiliza referências, afetos, sentimentos, remetendo a um conjunto de conceitos que discutirei ao longo deste ensaio, como "gostar"/"seduzir" (nofá), "cuidar" (narifá) e "criar" (nayaná). São ideias centrais da socialidade jarawara, que não se limitam às relações entre humanos, mas se estendem como formas de experiência a praticamente todos os tipos de seres do cosmos, particularmente às plantas.O que me proponho a discutir aqui, se bem me lembro, foi despertado quando um de meus amigos, Wero, me contou uma história que ouvira em
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