Quando os historiadores, na tentativa de dar conta dos processos históricos, buscam os recursos da abordagem literária, referem-se à literatura como ficção ou como narrativa, em geral usando os dois termos como equivalentes, mas não aludem especificamente à ficção de caráter histórico, campo em que o problema já existia muito antes da atual tendência de aproximação dos estudos históricos e literários. Talvez justamente aí esse diálogo tenha mais a oferecer à literatura. Em vista das novas abordagens da história, a mais corriqueira pergunta diante do romance histórico -esta é a verdade histórica ou não? -perdeu sua razão de ser, uma vez que todas as formas de resgate do passado são permeadas pela consciência de que a construção verbal não é o fato e não é ingênua. Mas, ainda que o referente externo possa não ser relevante para os procedimentos de análise, dificilmente o leitor o ignora ou despreza.M. Bakhtin, além de apontar a variedade da organização do plurilingüismo no romance e os modos de que este dispõe para incorporar as diversas * Universidade Federal do Paraná Letras, Curitiba, n.43, p. 11-23, 1994. Editora da UFPR 45
Ficções contemporâneAs: históriA e memóriA teóricos do XVIII, XIX e até mesmo do início do XX, defendiam a inadaptação feminina para a abstração, a invenção e a síntese. Segundo a historiadora, mesmo para Freud, a grande invenção feminina para a humanidade teria sido a tecelagem. (PERROT, 2012, p. 96-97).Se criar não é propriedade feminina, as mulheres são incapazes de criar textos ficcionais. Portanto, para elas, escrever não foi tarefa e conquista fáceis. Suas escritas ficavam restritas ao domínio do privado. Do diário, das anotações familiares, da contabilidade da casa. O sucesso com a escrita fora do círculo caseiro, no "mercado editorial", era uma batalha. De acordo com Zahidé Muzart, em Escritoras do século XIX, muitas mulheres produziram literatura no Brasil oitocentista, poucas apareceram nas histórias da literatura brasileira 1 (MUZART, 1999, p. 17). Na pesquisa realizada por Muzart, a autora encontrou numerosas escritoras que escreveram, naquele período, em diferentes gêneros:"das cartas e diários, dos álbuns e cadernos aos romances, poemas, crônicas e contos, dramas e comédias, teatro de revista, operetas, ensaios e crítica literária" (MUZART, 1999, p. 23).A literatura, no século XIX, era privilégio das classes mais altas, [...] constituía uma importante vertente de lazer e cultura da qual as mulheres não estavam excluídas, como leitoras, como ouvintes, como assistentes, nos salões e teatros. Mas do outro lado, o de quem produz literatura, que já beirava o profissionalismo, deste a mulher esteve excluída por preconceito, pela religião, pelos limites do papel que deveria desempenhar na sociedade burguesa (MUZART, 1999, p. 24-25).Mesmo assim, ao longo do século XIX, conforme afirma Perrot, era grande o número de mulheres que tentavam ganhar a vida pela pena. Escreviam em 1 Sobre o cânone e o lugar da escrita feminina, Muzart comenta: "A questão do cânone é estudada por vários autores e pela crítica e teoria contemporâneas. Na verdade, muito além de um tema recorrente da crítica de hoje é um tópico feminista dominante e uma questão crucial para nosso ensaio. Nesta pesquisa, procuramos discutir as razões da marginalização das mulheres e sua ausência no cânone literário brasileiro. Ao mesmo tempo em que gostaríamos de vê-las inseridas nas histórias da literatura, não nos agrada vê-las separadas num espaço exclusivo, tal como se encontram na História da Literatura Brasileira, de Luciana Stegagno-Picchio, recentemente editado no Brasil pela Nova Aguilar, em que temos um capítulo intitulado 'A escrita das mulheres' e outro, 'Poetas mulheres'. Também no livro de Dominique Rincé e Bernard Lecherbonnier, Littérature -textes et documents, as mulheres estão segregadas num capítulo dedicado somente a elas. [...] Lutar pela inserção das mulheres no cânone literário é uma questão feminista: a inclusão das marginalizadas" (MUZART, 1999, p. 25).
O passado é uma empresa do imaginário, seja no plano da história, seja no da criação literária. Mas cada discurso preserva sua identidade. Para reconhecê-la, é indispensável refletir sobre as similitudes da narrativa histórica e da narrativa ficcional, bem como sobre as suas singularidades.A referência à não tão recente aproximação da teoria da história com a teoria da literatura já é um truismo, ainda que, com certa freqüência, seja perceptível que nesse movimento que se presume diálogo, cada participante enuncie o que é próprio da sua área de conhecimento e não ouça de fato a voz atual do outro, limitando-se a reconstituir conceitos estereotipados que julga continuarem produtivos. Este trabalho não pretende apresentar argumentação inusitada, que possa imprimir novos rumos e oferecer caminhos ainda insuspeitados para o diálogo da narrativa histórica com a ficcional, mas visa a oferecer uma revisão
Você já percebeu que a vida da gente pode ser dividida em espaços de tempo, ou por lugares, ou os dois juntos, da mesma maneira que dividimos uma história? E quantas vezes, na vida de verdade, abreviamos uma situação porque estamos cansados dela?Ana Maria Gonçalves, p. 718Eu achava que era só no Brasil que os pretos tinham que pedir dispensa do defeito de cor para serem padres, mas vi que não, que em África também era assim.Ana Maria Gonçalves, p. 893 O senso comum parece indicar que, em tempos marcados por urgências de tantas ordens, em vista da agilidade requerida pelo mundo atual, a narrativa ficcional deve ser sucinta, de modo que o leitor passe logo adiante nas tantas ofertas do mercado cultural. Essa mesma ideia de rapidez pode levar à conclusão de que os traços mais pronunciados da produção das últimas décadas do século passado já não devem ter lugar que mereça destaque. Assim, a preocupação com atitudes politicamente corretas que, na vertente dos Estudos Culturais, alargou o espaço da literatura escrita por mulheres, com atenção redobrada se integrantes de minorias, bem como a proliferação de narrativas ficcionais que dialogam com a história, decorrente do revisionismo de fins de épocas, neste início de século poderiam ser percebidos como traços sobreviventes marcados por tom passadista.* UFPR
Exceto onde especificado diferentemente, a matéria publicada neste periódico é licenciada sob forma de uma licença Creative Commons -Atribuição 4. Abstract: Insurrections against the Portuguese rule emerged here and there over the three centuries of Brazilian colonial history. Among these movements, the best known and most fruitful for fictionalization has been the Inconfidência Mineira (Minas Gerais Conspiracy). Not only Brazilian writers have realized its potential: In A cidade do homem (2010), the Portuguese writer Amadeu Lopes Sabino fictionalizes episodes of this historical moment, favouring the biographical circumstances of António Diniz da Cruz e Silva, judge assigned to the Minas Gerais insurgents trial. Another conspiracy, which occurred a few years later and had greater number of sentenced to the gallows and quartering, takes up less space in historical and fictional record. The Revolta dos Alfaiates (The Conspiracy of the Tailors), that took place in the captaincy of Bahia in 1798, is the subject of the Brazilian writer Krishnamurti Góes dos Anjos in the novel O touro do rebanho (2013). The narrative consists of the memories of a citizen who owned a sugar cane mill when the events took place. The proposal of this text is to examine similarities and differences between the historical scene conception from both contemporary authors.Keyworks: historical fiction; Amadeu Lopes Sabino; Krishnamurti Góes dos Anjos.Quando as colônias inglesas da América do Norte declararam Independência, em 1776, abriu-se a primeira fissura no sistema colonial atlântico. A constatação de que era possível contemplar os interesses dos proprietários contra a metrópole alastrou-se rapidamente pelo mundo colonial iberoamericano. O reformismo dos filósofos iluministas franceses e a queda do Antigo Regime na França, em 1789, contribuíram para incendiar as mentes dos colonos com ideias de liberdade, igualdade, fraternidade, pátria, constituição, reforma e revolução. Palavras que se transformariam em conceitos-chave do mundo atual. (LOPEZ e MOTA, 2008, p. 274)
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