Apresentação do Dossiê - Biopolítica: a proliferação de um conceito raroO conceito de biopolítica tem sua estreia em 1974 em terras brasileiras, em conferência no Instituto de Medicina Social da UERJ (FOUCAULT, 1981 [1974]); desponta no início de 1976 em duplo nascimento, na conclusão da História da Sexualidade (FOUCAULT, 1988 [1976]) e do curso Em defesa da sociedade (2010 [1975-1976]) e praticamente desaparece no início de 1978 no curso Segurança, Território, População (FOUCAULT, 2006b [1977-1978]), tendo seu réquiem em 1979 no curso Nascimento da Biopolítica (FOUCAULT, 1997 [1979]; 2007 [1978-1979]). Apesar da sua curta existência e dos rápidos trânsitos de sentido em sua breve passagem, este conceito se tornou crucial nas diversas leituras que fazemos hoje em dia do legado de Foucault. Este conceito se tornou chave em vários domínios, sendo utilizado ainda nos dias de hoje por vários autores na abordagem dos mais variados fenômenos: da existência das ciências humanas e médicas, passando pela medicalização e chegando às pandemias recentes (para este último caso, cf. Tirado et alii, 2012; 2015).Cada vez mais em certos campos, como na Psicologia, é quase imediata a associação de Foucault ao conceito de biopolítica (seguramente tema dos mais diversos trabalhos e derivados). Ainda que a criação do neologismo não seja sua (de acordo com Esposito, 2011), é com este autor que o conceito tem seu máximo reconhecimento. Teses, dissertações, monografias e uma enorme quantidade de artigos, coletâneas e livros de comentadores carregam esse conceito como marco central do trabalho do pensador francês. Numa rápida consulta ao Google, ao acionarmos o item “Biopolítica”, são disparados mais de 641000 resultados imediatos. Igualmente importantes são as apropriações pelas quais esse conceito passou com outros pensadores, como Gilles Deleuze (1992), Nikolas Rose (2011), Giorgio Agamben (2002), Peter Pal Pelbart (2003), Achille Mbembe (2018), Byung-Chul-Han (2018) e Roberto Esposito (2011): sociedade de controle, molecularidade, vida nua, biopotência, necropolítica, psicopolítica, bíos - todos esses conceitos têm alguma derivação da proposta de biopolítica.Diante desta enorme expansão, o que dizer mais da biopolítica? O esforço aqui seria tentar ampliar ainda mais sua virtualidade, ao abrir outras leituras no campo da loucura (Raphael Pegden e os códigos penais no Brasil; Victoria Sedkowski e uma análise do Hospital Mental de Barcelona), de novos temas (o Self Científico com Diego Gonzales e Francisco Tirado; o Panoptismo de Gotham com Daniel Salvador e Iván Moreno Sanchez), na relação com interlocutores (Ricardo George e o diálogo com Hanna Arendt) e no entendimento da própria biopolítica (Arthur Leal Ferreira e Marcus Vinícius Santos com o percurso temporal do conceito nos cursos e Mateus Bayer com a discussão de conceitos próximos entrelaçados, como os de guerra, transgressão e dissidência). Nesta proposta, o dossiê funcionaria como uma espécie de acordeom, ampliando o uso do conceito para outros campos (e produzindo derivas dele na sua extensão), mas favorecendo recolocações das suas próprias proposições, supondo-o mais raro, e estranho a qualquer definição mais pacífica e consensual (o efeito dicionário). É nestas provas que envolvem esta sístole e diástole que queríamos trazer discussões junto ao conceito. Provas a que o próprio Foucault o submeteu no trânsito deste em sua curta existência. Pois, como destaca Goldman, (2001), é neste aspecto estratégico e no calor das batalhas que devemos entender a produção dos conceitos foucaultianos, sempre em sintonia com as questões e lutas contemporâneas. É algo deste movimento estratégico que gostaríamos de trazer à cena neste dossiê.Arthur Arruda Leal Ferreira; Marcus Vinícius do Amaral Gama Santos; Mateus Thomaz Bayer; Raphael Thomas Pegden ReferênciasAGAMBEN, G. Homo Sacer. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. (Trabalho originalmente publicado em 1995).DELEUZE, G. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.ESPOSITO, R. Bíos: Biopolítica e filosofia. Buenos Aires/ Madri: Amorrortu, 2011.FOUCAULT, M. O nascimento da medicina social. In: MACHADO, R. (Org.). Microfísica de Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982. [Conferência pronunciada em 1974].________. As malhas do poder. In: Barbárie números 4/5, 1981/1982. [Conferências pronunciadas em 1976].________. História da Sexualidade I. A vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. [Livro originalmente publicado em 1976].________. Préface, in Folie et Déraison. Histoire de la folie à l’agê classique. In: DEFERT, D. e EWALD, F. (Orgs.). Dits et Ecrits I. Paris: Gallimard, 1994 [Prefácio retirado em 1972, mas escrito junto com o corpo da tese em 1961].________. 1978-1979: Nascimento da biopolítica. In: FOUCAULT, M. Resumo dos cursos. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. [Resumo publicado originalmente em 1979].________. O poder psiquiátrico: curso no Collège de France (1973-1974). Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006a. [Curso ministrado originalmente de novembro de 1973 a fevereiro de 1974].________. Seguridad, Territorio y Población. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2006b. [Curso original de 1977-1978].________. Nacimiento de la biopolítica. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2007. [Curso original de 1978-1979].________. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. [Curso ministrado originalmente de janeiro a março de 1976].GOLDMAN, M. Objetivação e Subjetivação no último Foucault. Em: CASTELO BRANCO, G. & NEVES, L. F. B. (Orgs.). Michel Foucault: da arqueologia do saber à estética da existência. Rio de Janeiro & Londrina: Nau & CEFIL, 1998.HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: O neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Tradução de Maurício Liesen. 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Brasília: Universidade de Brasília, 1980.***Os estágios de pós-doutoramento têm constituído, nos últimos anos, um dos raros espaços-tempos em que se pode respirar e eventualmente conspirar; ou seja, no belo “achado” guattariano, respirar junto...A produção textual associada a esses estágios, contudo, não costuma ter ampla divulgação: os escritos resultantes, eventualmente longos, encontram pouca acolhida nos periódicos científicos que, mesmo quando virtuais, insistem em uma (dispensável) padronização do número máximo de páginas.A salvo de tais restrições – ao menos ainda a salvo delas –, Mnemosine publica, no presente número, um trabalho longo e intenso que, sugestivamente, fala do silêncio imposto pela psicanálise à voz e à escrita de Reich.Além disso, a seção Biografia, sempre heterodoxa, traz um ensaio que poderíamos chamar de “biografia do comum” e, nesse intuito, conta com referências biobibliográficas; já Deleuze comparece, cuidadosamente traduzido, por meio da última aula do curso sobre a subjetivação em Michel Foucault.Há mais, é claro, na Parte Geral, e as conexões com o dossiê Biopolítica são múltiplas.Que elas nos ajudem a re(x)istir na mesma medida em que editores associados, autores, pareceristas, secretária, UERJ... nos auxiliam a publicar. Obrigada pela parceria e amizade.Até breve, saúde.Heliana de Barros Conde Rodrigues
Este artigo tem como objetivo explorar os efeitos da autocrítica realizada por Michel Foucault frente à noção de transgressão em seu curso A Sociedade Punitiva (1972-1973) e seu deslocamento analítico e estratégico para a noção de dissidência. Nota-se que esta passagem se articula à emergência de uma concepção particular da “guerra civil” como campo de inteligibilidade das lutas em torno do poder. Realizada no ano seguinte, em O Poder Psiquiátrico (1973-1974), sua leitura política do “fenômeno histérico” do século XIX enquanto luta antipsiquiátrica servirá de exemplo privilegiado no sentido de adensar a dimensão conceitual que pode ser extraída da utilização contextualizada do termo “dissidência”. Entende-se que o esforço, próprio ao presente trabalho, para se pensar um conceito de dissidência a partir de Foucault pode estabelecer algumas pistas importantes para a reflexão sobre a singularidade teórica e política da genealogia foucaultiana.
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