A pandemia da covid-19 e o subsequente processo de confinamento conduziram a linhas de convulsão em diferentes setores da sociedade. Marcado por um contexto de instabilidade e incerteza, onde diferentes manifestações de transformação tecnológica, económica e social potenciam novas práticas e convenções, bem como suscitam novos e renovados desafios deontológicos, o jornalismo não é exceção. Com base nas respostas de um inquérito a 890 jornalistas portugueses, o presente artigo procura mapear os efeitos do estado de emergência de março a abril de 2020 nas práticas e rotinas, e nos preceitos ético-profissionais de uma atividade que avoca uma reavivada relevância num ambiente de desinformação e “infodemia”. Mais do que revelarem novos problemas, os resultados sugerem uma acentuação dos desafios e dilemas pré-existentes. No plano das práticas, indicia-se uma domiciliação relativamente transversal da atividade. Este fenómeno é acompanhado por marcas de despersonalização do contacto com as fontes e eventos, e por sinais de isolamento social dos jornalistas. No campo ético-deontológico, sublinha-se a emergência de questões deontológicas particulares no contexto da pandemia, onde os aspetos relacionados com o rigor — rejeição do sensacionalismo, distinção clara entre factos e opiniões ou repúdio de quaisquer formas de censura —, assim como os elementos subjacentes ao contacto com as fontes, assumem especial dimensão.
Este artigo discute a questão do rigor em jornalismo, considerado nas suas dimensões técnica e ética, na perspetiva de o reabilitar enquanto eixo central da prática profissional. Para o efeito, introduz um conjunto de questões, a partir da conceptualização daquele princípio em instrumentos deontológicos. A saber: a verdade jornalística e os instrumentos necessários para a alcançar; o cruzamento de fontes, exercício que não deve esgotar-se no chamado contraditório; a liberdade de expressão e os discursos de ódio; os diversos tipos de fake news; os efeitos perniciosos do clickbait e um fenómeno que o autor designa de fast food noticioso, prejudicial ao efetivo cumprimento da missão do jornalismo em sociedades democráticas.
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