No Brasil, a Revolução de 1930 e o Estado Novo caracterizaram-se pela incorporação tutelada das massas urbanas à sociedade oligárquica e pela construção de uma ordem institucional que permitisse a incorporação dos novos atores à arena política. A inclusão do "negro" deu-se por meio de políticas nacional-populistas de integração subordinada das classes e grupos populares e pela redução dos poderes das oligarquias tradicionais com suas ideologias racistas. As políticas sociais, nesse período, não se definiam como intervenção compensatória ou redistributiva, mas se inscreviam num movimento de construção nacional e de integração social, mesmo que subordinada. Dentre essas políticas, podemos citar a criação da legislação trabalhista e do Ministério do Trabalho, que provocou uma revolução nas relações laborais no Brasil, mas que, além de deixar os movimentos e os sindicatos dos trabalhadores de fora da direção dessa revolução, subordinou-os por meio dos chamados sindicatos "pelegos"; outra política do Estado foi a criação da "Lei dos 2/3", que estabelecia que as empresas instaladas em território nacional deveriam cumprir a cota mínima de 2/3 de trabalhadores brasileiros em seus quadros, atacando assim a exclusão da população brasileira, em grande parte negra, do mercado de trabalho, motivada pela intensa imigração de trabalhadores europeus que eram preferidos para ocupar os postos de trabalhos das empresas (cf. Guimarães, 2002). Contudo, em seu nacionalismo, o Estado Novo não desenvolveu ações abertamente racistas contra a diáspora No plano das práticas sociais cotidianas, consolidou-se o que denomino "cordialidade racial". A "cordialidade" das relações raciais brasileiras é expressão da estabilidade da desigualdade e da hierarquia raciais, que diminuem o nível de tensão racial. A cordialidade não é para "negros impertinentes". As relações cordiais são fruto de regras de sociabilidade que estabelecem uma reciprocidade assimétrica que, uma vez rompida, justifica a "suspensão" do trato amistoso e a adoção de práticas violentas. A discriminação racial: [...] se manifesta sempre numa situação de desigualdade hierárquica marcanteuma diferença de status atribuído entre agressor e vítima -e de informalidade das relações sociais, que transforma a injúria no principal instrumento de restabelecimento de uma hierarquia racial rompida pelo comportamento da vítima (Guimarães, 2004, p. 36).A cordialidade é uma espécie de tolerância com reservas, associada ao clientelismo e ao patrimonialismo nas relações sociais (cf. Viotti da Costa, 1999), reproduzindo relações de dependência e paternalismo. A associação entre cordialidade, clientelismo e patrimonialismo parece ser parte da explicação da manutenção de um racismo institucional não-oficial -relações sociais difusas e informais que se infiltram e "aparelham" as instituições oficiais.A articulação de cordialidade, clientelismo e patrimonialismo configura o que denominamos de "complexo de Tia Anastácia", no qual a pessoa negra aparece "como se fosse da família" ou como sendo "quase da...