Apresentação TextualOutubro de 2018, Lobolo de Iria Viana Martins (Família Martins) e Selso Augusto Iassine Cuaira (Família Cuaira).Sul de Moçambique, província de Maputo, distrito de Matola, Bairro Juba.A antropóloga moçambicana Honwana (2002) afirma que nenhuma prática tradicional – diferente dos pressupostos da ciência moderna que classificou a tradição dos povos africanos como algo estático e homogêneo, e, portanto, hostil a mudanças – pode ser interpretada como uma cópia exata de uma prática anterior, porque elas são criadas e recriadas por intermédio dos processos de interação social e históricos. Neste sentido, podemos dizer que a reprodução de uma categoria cultural exercida pelos indivíduos numa determinada sociedade não é igual e varia de acordo com as situações sociais que os mesmos atravessam, pois toda reprodução cultural consiste numa alteração daquilo que foi apreendido pelos próprios indivíduos anteriormente: “as categorias culturais através das quais o mundo atual é orquestrado assimilam algum novo conteúdo empírico” (Sahlins 1990:181), assumindo valor dinâmico. É neste sentido que o lobolo é insculpido. O lobolo pode ser entendido como um casamento costumeiro e recorrente no Sul de Moçambique, uma prática tradicional que envolve o Kulovola (significa dar bens à família da noiva para realizar uma união reconhecida entre os parentes do noivo e os parentes da noiva). Apoia-se na dinâmica, transformando-se e reinventando-se ao longo dos tempos pelas interações sociais dos indivíduos decorrentes dos processos socioeconômicos. Uma prática que se generalizou culturalmente na sociedade moçambicana e que hoje, de acordo com as famílias que o praticam e a região do país, assume diversos contornos, podendo estar inserido no conflito entre a “tradição”, o sincretismo religioso e os valores ocidentais “modernos”.O lobolo assumidamente transcende o amor, tratando-se de uma relação intrínseca com o mundo dos antepassados da noiva e do noivo, onde se estabelece um contato direto e contínuo entre os vivos e os mortos e, por intermédio da conexão com os espíritos antepassados e a realização de suas exigências, fundamenta-se a harmonia social entre os noivos; e sobretudo, sela o laço social entre ambas as famílias, abençoando e garantindo prosperidade a família que está por vir.Apesar das modificações atribuídas ao lobolo durante a sua prática, há algumas fases básicas tradicionais para sua realização: a primeira etapa está associada à intenção do noivo estabelecer um vínculo com a mulher desejada, para tal, parentes e amigos próximos aparecem na casa da mulher num encontro denominado Hikombela-Mati (pedir água). Neste caso, seus representantes levam alguns presentes específicos e abrem o diálogo para futura cerimônia de lobolo, identificando a mulher designada pelo noivo. Este encontro estabelece o primeiro laço com a mulher e familiares da mesma por parte do noivo e de sua família, e os presentes servem como mão de entrada. Nesta ocasião, os familiares da noiva aproveitam para entregar a lista de exigências (carta de lobolo) para realização da cerimônia. Após alguns meses ou anos, dependendo da capacidade do noivo para adquirir os presentes, o lobolo é realizado.No dia do lobolo de Iria e Celso, apareceram os parentes mais íntimos, incluindo também vizinhos e amigos do casal, que influenciaram, pela oratória, nas negociações e trocas simbólicas dos presentes. Em geral, bem antes da cerimônia de lobolo ocorre o Kuphalha, um culto realizado para os antepassados, para sua invocação e, posteriormente, o diálogo com os mesmos para que o lobolo ocorra bem. Ao chegarem à casa do pai da noiva, os familiares de Celso são recepcionados e ambos os lados iniciam cantos e danças.As bolsas e malas trazidas pela família do noivo com os presentes são colocados na sala em cima das esteiras de palha e, a diante, apresentados à família da noiva para o início da cerimônia. Durante o lobolo, há troca de presentes de acordo com os pedidos, onde a lista é revista e as negociações entre os parentes do noivo e os parentes da noiva se inicia. Todos os itens são verificados, além de situações lúdicas que são criadas. A suposta negociação é, de fato, uma performance, a família do noivo pode pagar uma quantia por atraso no início da cerimônia; para chamar a noiva; caso errar o nome de algum parente; para pedir desculpas por algo etc. E, na maioria dos casos, envolve o metical (moeda moçambicana). Todavia, é o que estabelece uma interação e um momento de troca entre os dois grupos e não meramente a atribuição do valor econômico. É neste momento de trocas de mais ou menos dinheiro que “os representantes de ambas as famílias têm a oportunidade de se expressarem, de brincarem e fazerem troça uns dos outros” (Bagnol 2008:261). O noivo fica ausente neste momento. E a noiva, apesar de não estar presente nas negociações iniciais, por outro lado, é chamada para avaliar os presentes e ouvir o pedido de casamento, participando ativamente na negociação, tendo autonomia de aceitar as ofertas ou não e, além disto, escolher a quem direcionará o dinheiro do seu lobolo. Ela decide a quantia a dar a cada membro da família, mas quem conduz a cerimônia são os tios. A oferta de presentes durante a cerimônia de lobolo é um assunto especial e trata-se de uma ponderação minuciosa entre as partes envolvidas, pois todas as pessoas, sem distinção de sexo, devem receber algo como foi explicitado na lista e, à vista disso, a complementaridade entre o masculino e o feminino é objetivada. Nesta ocasião, apenas a mãe, o pai, o irmão e as tias de Iria solicitaram presentes, enquanto os tios eximiram-se. Após aceitar os presentes e o pedido de casamento, Iria levantou-se para trocar de roupa auxiliada pela irmã do noivo e voltou para sala com a finalidade de colocar a aliança e as joias adquiridas. Nesse instante, todos os outros parentes que ganharam roupas e artefatos também tiveram que exibir a indumentária obtida. Inicia-se, a seguir, uma pequena festividade, onde os parentes da noiva exibem-se com as novas vestes, onde a dança e a mistura de cantos são inseparáveis, encaminhando o fim da cerimônia.Após o lobolo, o noivo se torna Mukon'wana (genro) e, por fim, há o último processo: Xigiyane, onde os pertences da noiva são levados por seus familiares para sua casa nova. O xigiyane foi feito no bairro de Jonasse, no mesmo distrito do lobolo. Os pertences que são levados, geralmente, são vestuários e utensílios domésticos que o casal precisará para iniciar o seu lar: pilão e o pau de pilar; ralador de coco; saco de carvão; um molho de lenha; fogão a carvão; alguidar ou mbenga (objeto de barro usado para moer milho, feijão ou amendoim, transformado se em uma pasta); balde de água; lata de água; coador de coco ou amendoim; grelhador de frangos; pega de fogo (uma espécie de espátula para mover a cinza do carvão); colheres de pau; panelas; chaleira; frigideira e o mais importante que é a mala de madeira bordada onde constam as roupas da noiva. São oferecidas também várias capulanas (pano tradicional e histórico usado, de modo constante, pelas mulheres moçambicanas para cingir o corpo, utilizar como saia ou vestido e/ou amarrar na cabeça) nuclear e lenços. E, igualmente outros presentes que os amigos e familiares podem oferecer à noiva: toalhas de banho ou de mesa, objetos de decoração, eletrodomésticos, etc.Acolá, a noiva é recebida pelos parentes do noivo que aguardam pela chegada de sua família. Na entrada, são recebidos com cantos e danças pela família do noivo, acompanhados por palmas e gritos agudos intermitentes e, em seguida, é realizada uma conversa entre os familiares de ambos para finalização da cerimônia. Como o Sul de Moçambique é caracterizado pela patrilinearidade, o casal viverá com os familiares do noivo ou numa residência independente.O fato é que algumas das características que fazem que o lobolo continue de modo expressivo hoje é, principalmente, o seu instrumento para superação de problemas espirituais; a busca pela harmonia social entre vivos e antepassados e a inscrição do indivíduo numa relação de redes de parentesco que faz parte da identidade social do mesmo (Bagnol 2008). Em síntese, o lobolo se mantém e aparentemente se reforça de acordo com as situações sociais, “reproduzindo-se hoje num contexto em que o discurso público generalizadamente aceita (e por vezes enfatiza) a tradição” (Granjo 2003:17).
Este artigo tem o propósito de apresentar a noção de afetos, em especial o amor de conjugalidade e família moderna, a partir da ótica do sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917). A contar de seus conceitos basilares, defendo que, para pensarmos as emoções em sua obra, temos que levar em consideração sua definição de moralidade. Constato que as interpretações acerca do casamento e da família moderna, instituições ideológicas por excelência — realizadas em suas formulações paradigmáticas sobre a “ciência da sociedade” — contribuíram decisivamente para que o debate sobre os sentimentos se desprendesse das observações hegemônicas da psicologia.
Ao realizar uma pesquisa sobre o lobolo no sul de Moçambique — rito tradicional que une conjugalmente duas pessoas, em que a prática essencial envolve dar bens à família da noiva para realizar uma união reconhecida entre os parentes do noivo e os da noiva — testemunhei a constante atuação dos espíritos. Proponho-me, neste artigo, a responder aos seguintes questionamentos: qual é o papel do nyamusoro (curandeiro) na vida social do casal e de seus familiares e como ele exerce contato com os espíritos para abençoar o casal no lobolo? A partir disso, demonstro como os noivos e suas famílias mobilizam o curandeirismo para conversar com os mortos, inclusive para evitar acontecimentos indesejáveis no futuro do casamento.
Na atualidade tem ocorrido um efervescente debate na Teoria Sociológica por conta das problematizações trazidas pelas Teorias do Sul. Um dos principais apontamentos é identificar as ausências na abordagem sociológica, fazendo emergir atores ocultados e os conhecimentos por eles produzidos, na tentativa de valorizar a diversidade epistemológica do mundo. Dessa forma, este trabalho efetua uma reflexão acerca da dimensão transcultural, política e estética do RAP na produção de saberes emancipatórios e aponta para os possíveis diálogos entre esse gênero musical e os posicionamentos éticos no que tange aos fazeres sociológicos. Analisa-se trechos de composições do rapper Djonga, verificando sua música como instrumento de combate e estratégia de descolonização do cotidiano, a partir de uma análise minuciosa de questões sociais, como a conjuntura político-moral e proposições de possíveis ações de (re)existências. Finaliza-se apontando para o discurso do rapper que expande a noção das questões sociais do país, um artifício utilizado para quebrar o silêncio, ora do legado colonial, ora de seus resultados na construção incessante da sociedade brasileira.
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