Neste ensaio, discutimos a participação de pessoas trans no esporte de alto rendimento. Nos serviremos de um caso divulgado na mídia, consistindo em material de domínio público, como fio condutor da discussão. O discurso psicobiomédico, assentado no pressuposto de unidade do sujeito e organizado numa matriz cis-heteronormativa binária, contribui para produzir e operar a noção de coerência na classificação dos corpos. No esporte, um de seus efeitos se apresenta na objeção à participação de atletas trans nas arenas esportivas, recorrendo a critérios biofisiológicos que consideram os hormônios andrógenos determinantes para o aumento do desempenho. Argumento que pode ser questionado ao olharmos para casos de crianças trans impossibilitadas ou dificultadas de participar do esporte. Aqui, os hormônios cedem lugar ao aparelho jurídico-institucional para fazer funcionar a burocracia esportiva e seu controle sobre os corpos. Ao expor os limites deste argumento, encontramos as razões biopolíticas que atravessam a gestão dos corpos.
O presente artigo, de natureza teórico-conceitual, questiona os juízos de torcedores sobre o futebol de rendimento praticado por mulheres, qualificando-o como pouco estimulante e não atrativo. Propusemos o exame sobre como a categoria gênero colabora para tal avaliação, partindo do entendimento do futebol como fenômeno estético e buscando evidenciar o caráter relacional da experiência que se produz no encontro entre torcedor e partida. Procuramos identificar os elementos que influem na avaliação de uma partida como boa ou bela. Posteriormente, nos debruçamos sobre a noção de percepção e as condições que a afetam e produzem enquanto matrizes perceptivas, nos aproximando do conceito de habitus. À luz dessas considerações, concluímos que o habitus esportivo, particularmente o futebolístico, no caso do Brasil, revela, também, a presença de um habitus de gênero pautado na diferenciação entre seres humanos, sobretudo com base na morfologia corporal. Assim, podemos afirmar que o futebol praticado por mulheres não evoca, por si mesmo, uma experiência estética desagradável, mas convoca a ampliação das sensibilidades do torcedor para acolher outras formas de manifestação deste esporte.
Resumo: O presente artigo tem como objetivo compreender de que modo a marca do gênero atravessa a experiência inicial das atletas de futebol com a modalidade. Para tanto, adotamos a perspectiva da cartografia e analisamos entrevistas semiestruturadas feitas com atletas de formação e alto rendimento. A despeito da diferença geracional, os resultados mostraram que as dificuldades encontradas para se inserir no universo futebolístico são similares e ainda se assentam em percepções estereotipadas acerca dos gêneros.
A prática futebolística de mulheres no Brasil ainda pode ser considerada limitada e envolta de preconceitos os mais diversos. O presente estudo teórico e documental visa a problematizar a inserção de mulheres no campo futebolístico, dando especial atenção às primeiras políticas públicas elaboradas para promover e permitir o acesso da mulher à prática do futebol. Adotando uma perspectiva foucaultiana, a pesquisa buscou dar visibilidade ao conjunto heterogêneo de forças sociais veiculadas em documentos de domínio público que evidenciaram a dificuldade dessa prática desportiva profissional entre mulheres. Para tanto, o estudo foi dividido em dois momentos. Primeiro, é apresentando o cenário teórico-metodológico do qual se partiu para, em seguida, apresentar uma série de documentos nos quais está demonstrado como tal prática entre mulheres sofreu intervenções limitadoras e preconceituosas em nosso país. Nas considerações finais, foi possível mostrar a discrepância do trato entre gêneros no contexto futebolístico brasileiro, imerso em uma série de naturalizações sobre os corpos de homens e mulheres, que colocam estas últimas em evidente desvantagem. A análise crítica de tais naturalizações pode abrir espaços de debate, inclusão e potencialização das mulheres na esfera do futebol.
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