Refletindo sobre o óbvio, os costumes, o lugar-comum e a condição do escritor, o livro de Millôr -adiantemos -trata do mal nosso de cada dia. Nada mais assustador para aqueles que lidam com o fazer literário do que entender que o autor, que desmentindo Foucault, não morreu, se promove a ponto de se tornar vendedor do seu "produto" ou de si mesmo. Há uma inexorável condição da contemporaneidade no texto de Millôr: além de descortinar os meandros da construção do texto, ele também exibe para o leitor as condições de produção, relações comerciais entre autor-leitor, mediado, até, às vezes, pelo editor. Decorrente disso, a palavra do autor deve agradar e ser digerida, ainda que o assunto seja difícil de engolir. Assim se cria o verbo na literatura do Millôr. São histórias curtinhas, rápidas, folhetinescas e quase descartáveis se não as lemos como uma procrastinação diária para entender que a vida do brasileiro vai mal, muito mal. Porém, se entender e dizer tais coisas é quase um bordão no perfil de um povo mestiço, colonizado e acanalhado pela literatura desde Gregório de Matos, Manuel Antônio de Almeida e Mário de Andrade, em Millôr, vemo-lo renovado. Ainda bem, caso contrário, talvez nem valesse a pena ler, pela mesmice de um humor fácil e reacionário, um livro descartável, uma vez que, propondo-se como novo, em letras discretas, na ficha de catalogação, vemos que os velhos contos ressurgem como "acondicionados" -termo do autor -e penetram uma publicação de 2007.Há no livro, entretanto, uma atmosfera de perversidade fascinante, lúdica, cruel e lúbrica que mostra o trágico da condição humana brasileira. Rimos pouco em algumas situações, bastante em outras e ao fim do livro recebemos uma mensagem moralista e caridosa: sustentamos um escritor. Nesse sentido, a