O objetivo do estudo aqui apresentado foi analisar a cobertura da grande imprensa nacional sobre o aborto em caso de Zika e examinar se esta reforçou os discursos já associados à prática ou se ampliou e qualificou a discussão sobre o tema. Trata-se de pesquisa qualitativa realizada com base na análise de 43 notícias sobre Zika/microcefalia/aborto publicadas pelos jornais O Globo e Folha de S.Paulo entre novembro de 2015 e dezembro de 2016. Baseando-se em conceitos do Jornalismo e da Análise do Discurso, identificamos as fontes presentes na cobertura e analisamos os argumentos por elas usados para justificar suas posições, além de estratégias, saberes e valores mobilizados nesta argumentação. Constatamos que os dois jornais privilegiaram fontes especializadas - médicos na Folha de S.Paulo e advogados e juristas em O Globo - e silenciaram as vozes de mulheres diretamente afetadas. Quanto à argumentação, as fontes favoráveis ao direito ao aborto em caso de Zika denunciaram, sobretudo, as injustiças sociais, enquanto as contrárias à proposta reacionaram o discurso em defesa da vida. Observamos a predominância de saberes de crença e valores morais na arena discursiva analisada, marcada ainda por analogias carregadas de sentidos negativos nos dois polos do debate. Comparando nossos dados aos de outros estudos sobre o aborto na mídia, consideramos que a cobertura da grande imprensa sobre Zika/microcefalia/aborto desempenhou um papel relevante na reconfiguração do discurso midiático sobre o tema, caracterizada por um enfoque mais técnico, pela pluralidade de vozes e posicionamentos, e por maior espaço reservado a argumentos favoráveis baseados em princípios constitucionais.
Na cobertura do debate sobre a possibilidade de interrupção da gravidez em caso de infecção pelo vírus zika ocorrido no auge do surto de microcefalia fetal associado à doença, a imprensa brasileira deixou de fora atores a quem mais interessava o debate. Jornais de referência nacional que (re)colocaram o tema do aborto em discussão ouviram especialistas como médicos e juristas, mas silenciaram as vozes das mulheres e famílias afetadas pela epidemia. A quem interessa uma mídia que não acolhe todas as vozes e saberes, e não considera o conhecimento leigo e as experiências e circunstâncias pessoais dos indivíduos?
RESUMOeste artigo são analisados os enfoques das manchetes principais de jornais de três países fortemente impactados pelo novo coronavírus -Folha de São Paulo (Brasil), The New York Times (EUA) e El País (Espanha) -a partir dos temas destacados, em relevo, nas capas dos três veículos durante o sexto mês da pandemia, período em que já se observavam esforços para a fl exibilização das medidas sanitárias. Nesse contexto, utilizando os conceitos de agenda setting e enfoque/enquadramento, buscou-se investigar o lugar das questões de saúde nessa cobertura. Os resultados indicam que, nas manchetes dos diários brasileiro e norte-americano, os aspectos sanitários apareceram subordinados às questões econômicas e políticas, respectivamente, enquanto somente o jornal espanhol deu maior ênfase à saúde. A cobertura jornalística da pandemia naquele momento evidenciava como outros interesses, envolvidos no contexto da pandemia, acabaram por dividir a atenção midiática com importantes aspectos sanitários, atestando assim a sujeição das questões de saúde a múltiplos determinantes.Palavras-chave: Covid-19. Pandemia. Imprensa. Políticas de Saúde.
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