ApresentaçãoAo revisar este artigo, já com preciosas sugestões editoriais em mãos, recebi o pedido de uma associação científica brasileira para colaborar, como antropólogo, na confecção de uma moção. Em foco estava o fato de diferentes câmaras legislativas do país, envolvidas com a aprovação de seus respectivos planos estaduais e municipais de educação, já estarem prontas a seguir o exemplo do Congresso Nacional que, em 2014, suprimiu do texto final do Plano Nacional de Educação (PNE) todos os trechos em que "gênero", "orientação sexual" e "sexualidade" eram explicitamente mencionados, fossem como fundamentos de desigualdades sociais e de práticas discriminatórias a serem "combatidas" nas e pelas escolas, fossem como temas importantes na formação de professores. 1 Vinculada a diferentes denominações cristãs, a maioria dos deputados e senadores que se opõem a qualquer menção a questões relativas a gênero ou à sexualidade nesses documentos faz eco às manifestações públicas de diferentes igrejas evangélicas brasileiras e do próprio Vaticano quanto aos supostos perigos da disseminação, especialmente entre crianças e adolescentes, do que designam como "ideologia de gênero". Nas palavras de uma importante autoridade católica brasileira, segundo tal "sorrateira" "ideologia", "não existiria mais homem e mulher distintos segundo a natureza mas, ao contrário, só haveria um ser humano neutro ou indefinido que a sociedade -e não o próprio sujeito -faria ser homem ou mulher, segundo as funções que lhe oferece". A "ideologia de gênero", assim definida, seria "anticristã", "arbitrária" e "antinatural".2 Nesses termos, a crítica à "ideologia de gênero" reage tanto contra a difusão nas escolas brasileiras do ideal de igualdade entre homens e mulheres quanto contra o reconhecimento de que a diversidade de gênero e de orientação sexual 3 deva merecer algum apreço ou respeito social, tendo