Quatro anos atrás, preocupado e incomodado com os rumos que vinham tomando as atividades exercidas por alguns comitês de ética, publiquei uma proposta de discussão sobre o tema, nessa mesma Revista (Tomanik, 2008). Graças a esta publicação, conheci Ronie Silveira e Simone Maria Huning, que me convidaram a participar, com eles, de uma Sessão Coordenada, durante o XV Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), na qual pudemos expor nossas análises e propostas sobre aquele tema. As apresentações deram origem a um debate bastante acalorado e rico.Encerrada formalmente a Sessão, Silveira e eu continuamos nossa conversa, em outro local. Desde então, temos trocado mensagens e desenvolvemos o que considero uma ótima relação de amizade. Tornamo-nos amigos não apesar das nossas divergências, mas justamente por elas.Foi neste clima que recebi o texto intitulado Gambiarra Ética, juntamente com o convite feito por seu autor, para debatê-lo. Com a mesma disposição afetiva pretendo elaborar e apresentar minha resposta, e é por ela que me permito a liberdade de chamar seu autor pelo primeiro nome, fugindo da formalidade usual nos textos científicos.Admiro os conhecimentos, a habilidade de raciocínio e a disposição de Silveira em utilizar estes atributos na busca do que considera correto. Concordo com muito do que ele pensa e, diante do que continuo vendo acontecer com os comitês de ética, confesso que às vezes tenho sentido vontade de passar a adotar a sua proposição; no entanto, considero que as reflexões nas quais ele baseia sua proposta final evidenciam duas tendências de raciocínio com as quais não consigo concordar, e é por este ponto que vou iniciar meus comentários.
ALGUMAS DISCORDÂNCIAS BÁSICASA primeira daquelas tendências envolve o que me parece um determinismo histórico, que estaria presente, de forma aparentemente disseminada em toda e qualquer instituição social. Silveira (2013) afirma, por exemplo, que não podemos simplesmente agregar de fora funções que são incompatíveis com a dinâmica preexistente de uma entidade, qualquer que seja ela -sob pena de procedermos de maneira errática e sem nenhuma consideração pela maneira como o mundo opera (p. 172).Em outras frases, refere-se a uma "(...) lógica imanente que a instituição 'comitê de ética em pesquisa de uma universidade brasileira' possui, seja qual for sua manifestação particular concreta" (p. 172, destaques meus), e destaca: "por uma questão de organicidade básica do mundo, indivíduos bem-intencionados não podem mudar a lógica de funcionamento que definem as instituições" (p. 173).Assim, segundo ele, instituições sociais, uma vez criadas, carregam em si destinações (finalidades nem sempre explícitas, mas imutáveis) e regras de funcionamento associadas àquelas destinações que não podem mais ser alteradas.A segunda tendência de raciocínio presente no texto de Silveira (2013) pode ser considerada, a meu ver, como um forma de dualismo que se aproxima muito de um maniqueísmo, ou seja, de uma tentativa de distinção rígida e impermeável e...