A pandemia e o ordinário: apontamentos sobre a afinidade entre experiência pandêmica e registros cotidianos

Abstract

Resumo Este artigo tem como objetivo discutir a existência de uma afinidade entre a estética de relatos cotidianos, testemunhos e diários com a experiência específica da pandemia do Covid-19. Partimos da ideia de que uma característica bastante compartilhada na experiência da pandemia tem sido o foco nos traços desse momento histórico na vida cotidiana, resultando num impulso para a presentificação. Nossa hipótese é que na experiência da fase da pandemia marcada pelo distanciamento e isolamento social se formou uma estrutura de sentimento que é maturada na produção e fruição de registros ordinários, uma valorização de formas como diários e testemunhos de pessoas comuns. Fazendo uso da experiência de um grupo virtual de compartilhamento de relatos e do mapeamento de diversas iniciativas de coletas de registros, o artigo analisa como certas experiências da pandemia do Covid-19 se relacionam com as noções de trauma, luto e extraordinário.

pandemia e o luto sob o olhar psicanalítico: Uma revisão de literatura

“…Constatou-se uma predominância entre os autores em discorrer sobre Medo e Sofrimentos em nove artigos da triagem alcançado o percentual de 33% da pesquisa realizada. Com a finalidade de compreender a problemática ao envolver a morte frente a um cenário instável, os autores desta amostra afirmam que sentimentos de medo e sofrimento apresentam-se de forma mais acentuada durante o período, bem como possuem relação devido a maneira com que se concebe a morte e a ritualiza (Verztman, 2020;Sousa et al, 2021;Poletto, 2021;Gajanigo, 2021 o sujeito do sofrimento, uma forma de defesa manifestada pelas pessoas próximas (Monteiro, 2021). Apesar das adaptações ou imposições trazidas pelo período reportado, a ausência do velar promoveria uma dúvida simbólica sobre se a perda por morte de fato ocorreu, pois muitos não puderam vivenciá-la e assim, materializá-la.…”

“…A afirmativa vai ao encontro do que alerta a OMS desde 2018: a depressão surge como um dos maiores problemas de saúde pública da sociedade. Tais impactos foram repercutidos por diversos países, além do surgimento de variantes do vírus, cujos efeitos serão sentidos por diversos segmentos sociais ao longo dos anos, alterando o curso da história, além de imprimir transformações na sociedade contemporânea (Gajanigo & Souza, 2021).…”

Distanciamento social no Rio de Janeiro

“…Ou seja, mesmo no auge da pandemia, consequentemente, ápice do autocontrole, vigilância e disciplina dos corpos, havia ruídos, erros, falhas e contaminações em filas de supermercado, bancos, entre outros (Foucault 2008, Rui et al 2021. Portanto, me empenhei em fazer parte dos 75% de pessoas que ficaram em casa e, como forma de elaborar a tristeza, o isolamento e a ansiedade, a fotografia foi a ferramenta de registrar o cotidiano, ordinário e extraordinário, ao ser um modo de fazer vida 1 na pandemia (Ingold 2015, Malta et al 2020, Gajanigo e Souza 2021, Caggiano e Segura 2022.…”