Representações negativas sobre a utilização de substâncias psicoactivas predominam desde há muito, em grande medida, pelo facto de esta prática continuar a ser analisada a partir de uma perspectiva problemática. Manifestações alternativas persistem, portanto, votadas a uma relativa ignorância, continuando a evitar-se o debate acerca das suas dimensões hedonísticas e dos padrões de consumo que são eficazmente conciliados com a vida convencional. Nos últimos anos tem-se assistido, todavia, a um aumento dos trabalhos académicos (sobretudo antropológicos e sociológicos) centrados em experiências que não se enquadram em padrões 'problemáticos' e que promovem um entendimento mais adequado sobre esta prática e os seus protagonistas. Tais trabalhos têm mostrado que, tal como foi construído como um problema, este fenómeno pode ser desconstruído e reconstruído em moldes alternativos, desafiando, assim, os discursos dominantes. É a este exercício de construção e desconstrução do 'problema da droga', assim como de reconstrução do fenómeno em moldes alternativos, que dedicamos o presente artigo.
Palavras-chave:Consumos 'não problemáticos', Consumos 'problemáticos', Utilização de drogas ilícitas.A CONSTRUÇÃO DO 'PROBLEMA DA DROGA'Compreender o processo de construção social da droga como um problema (de delinquência ou de doença) implica recuar ao século XIX para rever a emergência, na América do Norte, dos primeiros modelos de entendimento e controlo do seu uso, o político-jurídico e o médico--psicológico, que a partir daí se estenderam à globalidade do mundo ocidental (Barbosa, 2006;Romaní, 2003). De facto, até à segunda metade do século XIX o uso de substâncias psicoactivas era tido apenas como uma das muitas práticas sociais/culturais, não sendo encarado como um problema nem como um alvo de preocupação ou mediatização sociais e não sendo controlado pelos governos (Escohotado, 1996(Escohotado, /2004Ribeiro, 1995;Romaní, 2008;Szasz, 1992).Apesar das suas particularidades, os referidos entendimentos evidenciam vários pontos de contacto, desde logo pelos seus intentos de erradicar as drogas/promover a abstinência e de operar como meios de controlo social (Barbosa, 2006;Romaní, 2003). Estes são, aliás, frequentemente criticados, por se considerar que resultam de uma construção social operada por grupos sociais poderosos, associados sobretudo à religião, à política e à indústria, em especial a que produz substitutos legais para as substâncias ilícitas (Becker, 1963(Becker, /1973Szasz, 1992; Thornton & Bowmaker, s/d). A ênfase, comum aos dois modelos, das limitações dos sujeitos, em detrimento de factores externos, para explicar o 'problema das drogas ' (Humphreys & Rappaport, 1993)
tem
49A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: