Resumo: O objetivo deste artigo é analisar historicamente a obra Antologia, escrita em meados do século II pelo astrólogo Vettius Valens (120-188), observando o papel da influência estoica e, principalmente, de uma noção fatalista de Destino (heimarmene) no contexto do Principado romano. Também analisaremos como Valens apresenta, em seu discurso, a astrologia como uma ferramenta de antecipação à ordem cósmica por meio de uma unio mystica, qualificando, legitimando e justificando, assim, tanto os conhecimentos da tradição mística que deseja integrar, como a profissão daqueles que, como ele, estudam e praticam a arte prognóstica, que deve ser mantida sob certo sigilo e controle. Diante disso, mostraremos como Vettius Valens alega poder e superioridade, um poder, por sua vez, marcado pela capacidade da adivinhação sobre o Destino.
Abstract:The objective of this article is to analyze historically the work Anthologies, written in the middle of the second century AD by the astrologer Vettius Valens (120-188 AD), observing the role of stoic influence and, mainly, of a fatalistic notion of Fate (heimarmene) in the context of the Roman Principate. We will also analyze how Valens presents astrology in his discourse as a tool for anticipating the cosmic order through an unio mystica, qualifying, legitimizing and justifying both the knowledge of the mystical tradition he wishes to integrate and the profession of those who like him study and practice the prognostic art, which must be kept under some secrecy and control. Then, we will show how Vettius Valens claims power and superiority, a power marked by the ability of divination of the Fate.
IntroduçãoM étodos e conhecimentos desenvolvidos para adivinhar sobre o tempo presente e futuro são, reconhecidamente, fenômenos universais e atemporais, presentes nas mais diversas culturas. Ora, uma adivinhação sobre o tempo é uma adivinhação sobre o destino dos entes e seres, não apenas sobre a constituição e caracterização do devir, mas também uma adivinhação que permitiria esclarecer os próprios detalhes valiosos do tempo presente. Diante disso, o oráculo seria o mecanismo criado para dar conta da "ansiedade antropológica básica", isto é, assegurar que o "'meio' circundante se manterá tal como é ou tal como desejamos num futuro próximo" (DA MATA, 2010, p. 120-121).Entre os escritores romanos antigos, como destaca Ulla Kock-Westenholz (1995, p. 9), a partir de uma distinção inicialmente introduzida pelo orador romano Cícero, podemos reconhecer uma adivinhação "natural", diretamente inspirada pelas divindades (como os sonhos e outros oráculos), e outra "artificial", que incluía toda técnica divinatória em que a constante observação e a computação eram necessárias para desvendar a vontade das divindades. Assim, conforme a autora, embora a existência da primeira possa ser atestada já na Antiguidade mesopotâmica, parece ter recebido menor importância quando comparada à segunda entre as antigas comunidades dos vales dos rios Tigre e Eufrates, de onde teríamos as primeiras manifestações ...