O aumento no volume de cirurgias de catarata na segunda metade do século XX proporcionou uma série de descobertas e melhoramentos tecnológicos nesta área, inclusive a importância do endotélio corneano. Por incrível que pareça, o conhecimento das funções endoteliais de barreira à entrada de fluidos e de bomba ativa de transporte de íons e água para fora do estroma corneano, foi desvendado somente a partir da década de 50, principalmente por estudos de Davson Até há pouco tempo (décadas de 80 e 90) a ceratopatia bolhosa pseudo-fácica era a principal causa de transplante penetrante de córnea nos Estados Unidos da América e Europa, devido ao relativo desconhecimento da importância do endotélio corneano na manutenção da transparência da córnea e ao grande uso de lentes intra-oculares inadequadas após a cirurgia da catarata, especialmente as de câmara anterior com alças rígidas e as de fixação irianas 4 . Com o grande aperfeiçoamento do microscópio, instrumental cirúrgico, lentes intra-oculares e desenvolvimento de agentes visco-elásticos protetores do endotélio corneano durante a cirurgia da catarata, a descompensação endotelial após esta cirurgia vem, felizmente, se tornando cada vez menos freqüente.Sabemos hoje que as funções endoteliais de barreira e de desidratação ativa constante da córnea dependem de um nú-mero mínimo de células endoteliais, sem espaços livres entre elas, e de um perfeito funcionamento da bomba endotelial 5 . A população endotelial normal no ser humano adulto varia de 2.000 a 3.000 céls/mm 2 , em média, e é composta de células hexagonais pobremente aderidas entre si e à sua membrana basal, a membrana de Descemet 5 . Como as células endoteliais humanas não apresentam a capacidade de se reproduzir, devemos fazer de tudo para preservarmos a população endotelial do nosso paciente, ao realizarmos uma intervenção cirúrgica como a de catarata.Existem diversos fatores pré, trans e pós-operatórios que podem interferir com o funcionamento normal do endotélio corneano. Discorreremos a seguir sobre os principais.
FATORES PRÉ-OPERATÓRIOSIndependentemente da técnica que utilizemos para a facectomia, obviamente a avaliação do endotélio corneano pré-operatoriamente é fundamental. Esta avaliação deve ser realizada de rotina, e é feita facilmente através de duas maneiras:
1-Avaliação da anatomia endotelialA verificação do número de células e da morfologia do endotélio, por meio da reflexão especular no exame biomicroscópico em 40x ou pela microscopia especular é fundamental para termos uma idéia da população endotelial daquela córnea, já que sabemos que quanto menor o número destas células, maior a chance de descompensação corneana após a cirurgia. A análise do tamanho das células é um bom indicativo do número de células, pois quanto menor a população endotelial, maior o tamanho das células (polimegatismo), as quais assumirão formatos diversos (pleomorfismo) 6,7 . Além disto, podem-se observar falhas, áreas escuras, entre as células endoteliais, indicando a presença de córnea "guttata", portanto com comprometime...