INTRODUÇÃOAs doenças autoimunes são causadas por uma resposta inadequada do sistema imune, que passa a reagir contra órgãos, tecidos ou células próprias, levando à sua destruição ou prejudicando sua função adequada. Existem mais de 40 doenças autoimunes identificadas com número considerável de pacientes acometidos 1 . Várias drogas imunossupressoras têm sido utilizadas na tentativa de controle da progressão de doenças autoimunes, sendo que entre elas a ciclofosfamida tem ação principalmente sobre linfó-citos B, e a ciclosporina A e a azatioprina sobre linfócitos T. Contudo, tais drogas necessitam de administração contínua, são pouco específicas, isto é, apresentam vários efeitos em outras células e tecidos e nem sempre conseguem bloquear a resposta imunológica indesejada. Além disso, o uso destas drogas leva a um risco aumentado de infecções oportunistas e aparecimento de tumores. Dessa forma, tem-se buscado formas de imunossupressão dirigidas exclusivamente ao sítio de ativação imune, e que utilize os mecanismos do próprio sistema imune do hospedeiro para bloquear uma resposta indesejada 1 . Nas doenças autoimunes, onde nem sempre o antígeno alvo é conhecido e o processo pode ser mediado por linfócitos T e/ou B, a solução terapêutica ideal seria a indução de tolerância. Tolerância é a ausência de resposta imunológica agressora a um antígeno específico na ausência de imunossupressão contínua. Em modelos experimentais de doenças autoimunes, nas quais ocorre quebra da tolerância ao "self" (próprio), tem sido possível a regeneração da tolerância, ou seja, bloqueio da doença autoimune, através da administração de antígenos ou de peptídeos Tolerância oral: uma nova perspectiva no tratamento de doenças autoimunes Trabalho realizado pela Disciplina de Nefrologia da Escola Paulista de Medicina -UNIFESP, São Paulo, SP. contra os quais a resposta imunológica ocorre.Uma das formas de indução de tolerância é aquela que ocorre pela administração de antígenos por via oral e que é denominada tolerância oral. A tolerância oral foi descrita de maneira sistemática pela primeira vez em 1911 por Wells, como forma de prevenção da anafilaxia sistêmica em cobaios, através da alimentação prévia dos mesmos com proteína do ovo de galinha. Porém, desde 1829 Dakin havia descrito a utilização pelos índios americanos da via oral para prevenir dermatite alérgica a uma planta sensibilizante. Em 1946 Chase demonstrava que a dermatite de contato ao dinitroclorobenzeno ou cloreto de picrila poderia ser evitada pela administração oral dos mesmos. A partir de 1970 o mecanismo imunológico da tolerância oral passou a ser investigado através do uso de altas doses de proteínas externas como a ovalbumina 2 . Recentemente, a tolerância oral passou a ser utilizada terapeuticamente em modelos experimentais e humanos nas doenças autoimunes, ou ainda, com menor sucesso na tentativa de diminuir a rejeição à transplantes 3 . A utilização da via oral para tolerização se baseia no fato de que o trato gastro-intestinal entra em contato diariamente com variados ti...