Este trabalho tem por objetivo reivindicar o dever de pós-memória para melhor pensar a solidão da memória e de tornar explícito o valor do documentário no espaço e tempo de uma reflexão possível de acolher e dar corpo às ausências que os estudos sobre colonialidade e pós--colonialidade em língua portuguesa ainda não vieram suprir. Partindo do desafio proposto pelo dossier temático sobre "Imaginários coloniais: propaganda, militância e "resistência" no cinema", este ensaio pretende resistir a estas solidões e ausências a partir de dois documentários -o de Bruno Sena Martins, A hospitalidade ao fantasma: Memórias dos deficientes das forças armadas (2014), e o da autora deste texto, Portugal híbrido, Portugal europeu: Gentes do 'sul' mesmo aqui ao lado (2011).
Palavras-chaveMemória; pós-memória; resistência; solidão; coragem cívica Eu estou a dizer coisas que eu nunca contei, Isto eu nunca contei! Bruno Sena Martins, 2014 1 No dia 21 de janeiro do corrente ano a crónica habitual do escritor António Lobo Antunes, na revista Visão, prende a minha atenção. Não por ser a crónica do escritor e cronista Lobo Antunes; é simplesmente pela humildade com que este revela a solidão das suas muitas memórias: a da guerra colonial, a dos que lá estiveram com ele -deste e daquele lado da barricada -, a dos silêncios colados à língua, a dos silêncios dos outros companheiros também eles colados às suas línguas e, finalmente, a solidão do presente. Como leitora e investigadora fico perplexa porque consigo sentir essa mesma solidão, não é estranho? Não cria uma certa perplexidade pensar que a minha geração, a geração "pós"-império, "pós"-colonização, a geração da pós-colonialidade multicultural portuguesa, fique assim especada a olhar e a pensar nesta crónica? Eu não sou um elemento representativo de uma geração, e certamente erro em insistir nesta ideia de um patamar solitário, pois devo reconhecer os esforços e tentativas de autores que procuram recuperar pelos seus trabalhos uma solidariedade entre aqueles que viveram determinadas experiências traumáticas e outros que desejam compreendê-las, ou pelo menos, dar