O psicanalista húngaro Sándor Ferenczi elaborou uma teoria sobre a transição do princípio do prazer ao princípio de realidade, que permite complementar e aprofundar as hipóteses freudianas sobre esses princípios. De acordo com a sua teoria, esse processo envolve uma série de estágios, ao longo dos quais, gradualmente, a diferenciação entre o eu e o mundo externo é estabelecida e o sentimento de onipotência é abandonado. Freud e Ferenczi, contudo, não focaram a questão da maneira como o desenvolvimento da linguagem verbal acompanha esse processo de transição entre os dois princípios, questão essa abordada pela psicanalista russa Sabina Spielrein. Esta autora complementa as teorias de Freud e Ferenczi, ao abordar o fenômeno em questão a partir de uma perspectiva diferente, ou seja, daquela do desenvolvimento da linguagem. Apesar da originalidade e da importância da contribuição de suas teorias para a compreensão do funcionamento mental, Ferenczi e, sobretudo, Spielrein são autores ainda pouco estudados, que merecem maior atenção e reconhecimento, o que justifica o resgate de suas teorias. Nesse artigo, abordamos algumas das hipóteses dos dois autores que permitem uma melhor compreensão do processo de diferenciação entre o eu e o mundo externo e de transição do princípio de prazer ao princípio de realidade. Nos baseamos na análise do texto de Ferenczi O Desenvolvimento do Sentido de Realidade e seus Estágios, de 1913, e nos textos de Spielrein O surgimento e o desenvolvimento da fala articulada e A origem das palavras infantis papai e mamãe, publicados, respectivamente, em 1920 e 1922.