Bitucas E a Materialização Do Equívoco: Qurna E Suas Paisagens Potenciais

Abstract

Talvez a maior violência epistêmica perpetrada pelo Ocidente contra o Egito não tenha sido a apropriação de suas materialidades, mas a construção da ideia de um Egito exclusivamente faraônico. Como consequência deste processo de idealização, a paisagem egípcia passou a ser modelada por arqueólogos, egiptólogos e pelo governo egípcio para representar apenas o passado faraônico. A expulsão dos moradores da vila de Qurna foi o desfecho trágico deste processo. Mais de dez anos depois do processo de expropriação da comunidade qurnawi muito ainda precisa ser compreendido, principalmente como nossas abordagens científicas afetam as comunidades locais. Neste sentido proponho discutir o conceito de paisagem a partir das teorias locais, mostrando que antes de ser um elemento fixo, a paisagem é resultado de uma relação

A vida de uma praia-lixão em São João del-Rei: processos transformativos e coisas em movimento

“…Em contradição com o que é considerado arqueológico, ou mesmo patrimonial, enquanto objetos maculados pelo presente (Bezerra 2019) os trecos rejeitados e classificados como lixo, ou que estão presentes sobre a superfície, deixam de ter valor à arqueologia e são novamente descartados pelos agentes que os reclamaram da estratigrafia. Isso parece suspeito, uma vez que não abre espaço para que a vida conteste nossos métodos e técnicas, o que coloca os arqueólogos em lugar de autoridade inquestionável sobre o passado e sobre as coisas (Cabral, 2020;Linke et al, 2020;Pellini 2020Pellini , 2021.…”

“…A questão aqui, porém, não é colonizar tudo enquanto treco arqueológico, até porque o diálogo entre diferentes campos do saber e formas de conhecimento é mais fértil e produtivo para discussões e reflexões do que determinar que só a arqueologia dá conta de narrar a vida dos trecos. Como sugerem os estudos de cultura material (Miller 2013) e as abordagens simétricas (Latour 2013) ou relacionais atentas às coisas (Ingold 2015;Pellini 2020Pellini , 2021Cabral 2020), a interdisciplinaridade e o diálogo intersaber e transcultural são fundamentais para romper as velhas raízes pós-coloniais que perduram em nosso dia a dia, algo proposto pelo antimétodo algumas décadas atrás (Feyerabend 1977).…”

Caminhando com Amenemhet em seu funeral: afetando e sendo afetado na Tumba Tebana 123

“…Afetar refere-se às capacidades recíprocas dos corpos, em determinada assembleia, para afetar e serem afetados (Clough, 2008, p. 2;Pellini, 2018b). Assim, afeto é encontrado nas intensidades que passam de corpo a corpo, nas ressonâncias que circulam e nas próprias passagens ou variações entre essas intensidades e as próprias ressonâncias (Pellini, 2020(Pellini, , 2021. Corpos aqui não são apenas os corpos humanos, mas abrangem todos os tipos de corpos que podem afetar e ser afetados, como, por exemplo, de um animal, de uma mesa, de um livro, de uma árvore, de um conhecimento ou das imagens da TT123 (Von Scheve, 2018).…”

“…Da mesma maneira como estas cenas afetam, elas são afetadas pelos fluxos afetivos e pelos encontros entre corpos que ocorrem neste lugar. Por exemplo, as cenas foram afetadas pelos artistas que criavam e modificavam os traços, que pintavam e repintavam as cenas a fim de conservá-las; pelos graffitis que foram adicionados às cenas ainda no período faraônico e que alteraram a estrutura dos desenhos; pelas fraturas, vazios, fuligem e detritos que se acumularam ao longo do tempo; pela perda de coloração; pelas velas e lamparinas modernas que criavam padrões de luz e sombra diferentes daqueles do período faraônico; pelos traços dos arqueólogos que decalcaram a parede, que redesenharam o conjunto das cenas, dandolhe novos significados incertos; pelas famílias que moravam na tumba nos séculos XIX e XX, que viam nas paredes os espíritos e gênios do passado (Pellini, 2020).…”

“…Barad (2007) utiliza o termo intra-ação, ao invés de interação, pois interação pressupõe a pré-existência de duas entidades que se relacionam. A cada nova intra-ação, processos senso-afetivos, nós e outras formas de existência, atualizamos as potencialidades do mundo e materializamos a realidade de nosso entorno (Pellini, 2020(Pellini, , 2021. Diferentes intra-ações implicam em diferentes reconfigurações do conjunto de potencialidades que, por sua vez, resultam em identidades diferenciadas, nascidas e experimentadas de maneiras alternativas em cada nova relação, em um contínuo espaço-temporal.…”