O presente trabalho reporta uma revisão crítica da literatura ao nível da resiliência no domínio do abuso sexual na infância e adolescência. Esta é uma área que tem sido pouco explorada, em certa medida, devido a problemas metodológicos e de conceptualização do constructo. Não obstante a diversidade e controvérsia de propostas conceptuais, é relativamente consensual que a resiliência não é sinónimo de invulnerabilidade mas que significa uma maior capacidade da criança/jovem para manter o curso desenvolvimental normativo face a uma situação de stress ou adversidade. Assim, no presente artigo é discutido o conceito de resiliência enquanto resultado desenvolvimental adaptativo na sequência de uma experiência adversa. Neste âmbito, são exploradas as principais linhas de investigação nas últimas décadas, e sistematizadas conclusões centrais neste domínio. Do mesmo modo, são ainda definidos desafios e direcções futuras em termos de investigação. As conclusões da presente revisão advertem para o papel interactivo e generativo da criança/jovem vítima e dos seus contextos de vida no percurso de mudança desenvolvimental. Neste sentido, a adaptação positiva não é uma tarefa individual da vítima mas de todos os intervenientes envolvidos, nomeadamente em termos de disponibilidade de condições e redes de suporte favoráveis a uma recuperação adaptativa.Palavras-chave: Abuso sexual, Coping, Recuperação, Resiliência.
INTRODUÇÃOA literatura no domínio do abuso sexual na infância e/ou adolescência tem-se centrado ao longo das últimas décadas fundamentalmente no impacto negativo da experiência abusiva, sendo que são menos os trabalhos que se dedicam a investigar a ausência ou a reduzida sintomatologia manifestada pelas vítimas (McGloin & Widom, 2001). Na verdade, apesar do consenso relativamente ao impacto negativo do abuso, não existe evidência de que todas as vítimas desenvolvam respostas pós-traumáticas a esta experiência, sinalizando que algumas destas conseguem ultrapassar adaptativamente o seu potencial traumático. Algumas revisões de estudos empíricos indicam que um número substancial de crianças vítimas de abuso sexual não manifesta dificuldades significativas de ajustamento psicológico (Fergusson & Mullen, 1999; KendallTackett, Williams, & Finkelhor, 1993;Saywitz, Mannarino, Berliner, & Cohen, 2000). Na generalidade, os estudos parecem indicar que estas crianças assintomáticas tendem a permanecer de tal forma, a curto e a longo prazo. Dados da investigação demonstram que, do grupo de crianças que inicialmente se apresentavam como assintomáticas, apenas 30% vieram a desenvolver sintomatologia mais tarde (Kendall-Tackett et al., 1993), apresentando uma reacção retardada designada na literatura por "sleeper effect", em que os sintomas mais significativos apenas se manifestam aproximadamente um ano após a revelação (Saywitz et al., 2000). Outros estudos,
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