Este número do Jornal de Pediatria apresenta um dos raros artigos originais sobre aspectos preventivos do trauma que se têm visto nestas páginas. Diferente das costumeiras descrições retrospectivas, baseadas em atendimentos hospitalares, o estudo sobre fatores de risco para injúrias em pré-escolares, de autoria de Sílvia Fonseca e colaboradores 1 , suscita várias reflexões que deveriam interessar a todo pediatra clínico que se preze.Em primeiro lugar, cabe ressaltar a gritante desproporção entre a importância do tema -sob o prisma da morbimortalidade de crianças e jovens -e a exígua quantidade de estudos a ele relacionados. Seria oportuno que todos nós ponderássemos um pouco mais, por exemplo, sobre dois documentos relevantes e minuciosos, divulgados recentemente, em que a OMS e o UNICEF reiteram o que muita gente parece não querer enxergar: as injúrias físicas constituem um enorme problema de saúde pública entre crianças e jovens 2,3 . A Tabela 1, adaptada dos dados da OMS, fala por si: as causas externas respondem por 53% da sobrecarga total das dez principais doenças, entre 5 e 14 anos, nos países menos ricos das Américas. Mesmo incluindo os primeiros anos de vida, com todas as suas peculiaridades, o peso das injúrias físicas é notório. O relatório do UNICEF, que se detém na mortalidade, enfatiza que 98% das mortes de crianças e jovens causadas por injúrias físicas ocorrem nos países em desenvolvimento, apontando como os principais fatores de risco a pobreza, mãe solteira e jovem, baixo nível de educação materna, habitações pobres, famílias numerosas e uso de álcool e drogas pelos pais 2 . E mais, segundo o relatório "The Global Burden of Disease" (um marco na caracterização da injúria física como problema prioritário de saúde pública), no âmbito mundial, as causas externas representam 15% da sobrecarga de mortes e incapacitação, penalizando os países do Terceiro Mundo em escala quase duplicada; para os próxi-mos vinte anos, o relatório projeta um aumento desse índice para cerca de 20% 4 . Ou seja, trata-se de uma questão muito nossa, que, apesar dos maus prognósticos, seguimos menosprezando.A moderna ciência do controle de injúrias físicas -a tentativa de diminuir as conseqüências do trauma por meio da prevenção primária, primeiros-socorros mais efetivos e técnicas melhores de reabilitação -consolidou-se, na segunda metade do século passado, como uma das bases da pediatria clínica 5,6 . A epidemiologia, a biomecânica e a ciência do comportamento constituem seus três pilares fundamentais. Neste contexto, o trabalho de Fonseca e colaboradores pode ser considerado um marco, pois é o primeiro estudo prospectivo de base populacional, com o objetivo de avaliar os fatores de risco associados a injúrias não intencionais, de que se tem notícia na literatura pediátrica brasileira. Traz um enfoque que sinaliza de modo positivo o alinhamento da investigação clínica nacional com as tendências acadêmicas globais. Caso sua inspiração motive pesquisas semelhantes em outros lugares, conforme expressam os autores, estaremos p...