Desde o início do século XX, o campo da história depara-se com um conjunto de questionamentos sobre a posição dos grupos subalternizados na historiografia. Noções como história "de baixo para cima", dos "comuns", dos "desclassificados" e outras emergem, em produções que circunscrevem diversos objetos e recortes, como caminhos em direção a uma construção que não reproduza mecanismos de colonialidade de saber e hierarquias de poder baseadas em classe, gênero, origem e racialização. Na esfera da história das cidades, têm entrado em cena territórios e materialidades antes considerados, em relação à cidade burguesa moderna, resquícios indesejáveis de ordens e modos de vida superados, como terreiros, quintais e favelas, ou seja, principalmente lugares em que vigoram lógicas de produção e sociabilidade afrodiaspóricas. Dentro do sistema das dicotomias modernas, esses locais -as "margens" -são vistos principalmente por meio das suas ausências, isto é, daquilo que não possuem em relação ao referencial da cidade burguesa moderna -entendida como o "centro". O presente artigo busca contribuir para os desdobramentos historiográficos recentes, por meio do estabelecimento de um diálogo com a produção literária de mulheres negras, especificamente com o conceito de "escrevivência", delineado por Conceição Evaristo e discutido aqui a partir de experiências de pesquisa com estudantes de graduação. O balanço provisório desses trabalhos permite entrever possibilidades de transformação epistemológica em relação aos métodos de investigação e à posição de sujeitos marginalizados na produção de conhecimento acerca das cidades. Por meio de uma produção da história articulada entre o meio acadêmico e os agentes sociais, é possível erigir léxicos próprios para a compreensão dos territórios subalternizados, que não se limitem majoritariamente a nomeá-los como problemas a serem saneados, e sim que lhes confiram historicidade, legitimidade e subjetividade.