RESUMO -Com a ameaça internacional do bioterrorismo, a varíola voltou a ganhar destaque mundial. Os autores revisam aspectos da varíola e trazem considerações atuais da utilização do agente como arma biológica. Também apresentam
INTRODUÇÃOQuando a varíola e sua prevenção vacinal pareciam destinadas a serem incluídas somente nos textos de história da medicina, a ameaça do emprego do vírus causador da doença como arma de bioterrorismo trouxe novamente à tona o interesse pelo assunto, em particular para as novas gerações, que iniciaram sua prática clínica após a erradicação dessa patologia. É importante rever esses tópicos, com a finalidade de informar aqueles que nunca vivenciaram a varíola e refrescar a memória daqueles que, felizmente, já há três décadas deixaram de ver pacientes com a doença. O objetivo desta revisão é, portanto, auxiliar no reconhecimento desta doença, familiarizar os leitores com os avanços na obtenção e desenvolvimento de vacinas preventivas, e trazer para discussão a recente ameaça da varíola ser utilizada como arma biológica.
HISTÓRICOA varíola é uma doença conhecida desde a antiguidade. Como não existem reservatórios animais nem portadores humanos, sua persistência depende da transmissão contínua entre seres humanos. Por isso, especula-se que deve ter emergido após os primeiros assentamentos agrícolas, por volta de 10.000 anos a.C. 1 . Paschen descreve evidência de varíola na China cerca de 1700 anos a.C., e Haeser acredita que descrições de doença exantemática na Índia antiga possam corresponder a esta patologia. No entanto, as evidências mais seguras vêm de múmias da 18 a dinastia egípcia (1580-1350 a.C.), e a cabeça mumificada do faraó Ramses V (ao redor de 1160 a.C.) mostra lesões compatíveis com essa doença. Parece ter permanecido ausente da Europa nos períodos grego e romano clássico, embora haja descrição de Tucidides de ocorrência em Atenas cerca de 430 a.C. e Diodorus Siculus descreve doença similar atacando o exército cartaginês no cerco de Siracusa em 396 a.C. No quarto século d.C. surgem descrições escritas na China. No sexto sé-culo d.C. era comum no norte da África, de onde teria passado à França, causando epidemia descrita pelo bispo Gregório, de Tours, em 581 d.C.Por volta do século 10 d.C. já existiam hospitais no Japão para o isolamento de pacientes com varíola. Nessa época, a doença era comum em todo o Oriente Próximo. Reintroduções na Europa ocorreram com o retorno das cruzadas, e a invasão mongol levou a nova disseminação em massa. Para ressaltar a importância da doença no continente europeu, bastaria citar que no final do século 18 morriam de varíola cerca de 400.000 pessoas por ano, e um terço dos casos de cegueira era secundário a seqüelas da doença 2 .Sua introdução no Novo Mundo foi catastrófica. Com a chegada dos espanhóis ao Mé-xico, cerca de três milhões de nativos morreram de varíola. Graves epidemias dizimaram tribos ameríndias e contribuíram decisivamen- te para o colapso dos impérios asteca e inca 1 . É possível afirmar que na metade do sécu-lo 16 o mundo ...