IntroduçãoA primeira vez que encontrei Mangaliso Kubheka foi em 2005. Naquela ocasião, ele recebia a visita de dois militantes brasileiros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) -acompanhados por mim -na sede do Landless Peoples Movement (LPM) em Johanesburgo, África do Sul, na condição de national organizer do movimento. A partir daí, tive a oportunidade de encontrá-lo e acompanhá-lo em sete períodos distintos entre março de 2006 e janeiro de 2011. Durante todo esse período, Mangaliso foi minha porta de entrada para a pesquisa sobre o movimento que organizava e, ao mesmo tempo, um guia privilegiado para a compreensão da complexa questão da reforma da terra no pós-apartheid.1 Por ser um porta-voz, as atividades desempenhadas por ele soavam, para neófitos no país e seus problemas, como típicas ideias de um militante sem-terra sul-africano. Por um longo tempo, procurei associar a ele traços gerais que contribuíssem para a caracterização do movimento, de um tipo social, de uma identidade, entre outros rótulos que comumente usamos para falar de movimentos e militantes.
2O problema que este texto coloca, no sentido sociológico da palavra, é o de que, a cada novo encontro, a relação que ele mantinha com o LPM mostrava-se um pouco diferente. Apresentava um precedente nas palavras de Stengers (2002:36). Quanto mais tempo passávamos juntos, mais nos afastávamos do espaço físico da sede do movimento e do tempo dedicado à sua militância como sem-terra. Fora da atmosfera do movimento, passávamos a conversar sobre sua história pessoal, sua família, o local de moradia, sua paixão pelo futebol, sua religião e o que chama de sua cultura.3 Encontrá-lo por várias vezes, em situações distintas, permitia ainda interagir com outras pessoas com as quais ele se relacionava e que tinham também observações