Entre prescrições e sobrescrições: a experiência da leitura em ambiência digital

Abstract

O presente artigo busca refletir ― com base n sobre o futuro da escrita em Flusser e, ainda, a partir da materialidade do livro digital ―, sobre a experiência da leitura em ambiência digital. De abordagem dedutiva e partindo de uma perspectiva qualitativa, a partir da caracterização do livroaplicativo como exemplo de prescrição e os protocolos na leitura como uma espécie de sobrescrição, a investigação alcança resultados que apontam para a atualização do pacto de leitura que, por sua vez, indica a aceitação tácita do leitor em permitir ser lido pela plataforma-livro que, no que lhe concerne, também lê o seu leitor.

Protocolos de leitura e tecnologias preditivas: a experiência da leitura entre o previsível e o indeterminado

“…Diante desse cenário, além dos já reconhecidos protocolos identificados por Chartier (2011) -os de autoria e os de edição -, o livro digital reivindica pra si, três outros condutores de vestígios implicados na sua matéria, a saber: os protocolos do sistema, os protocolos na leitura e os protocolos no espaço (Flexor, 2018). Os protocolos do sistema se referem aos vestígios imputados na camada computacional, na programação do próprio livro-software.…”

“…Ao mesmo passo, em decorrência da quebra do polo da emissão e ubiquidade dos artefatos tecnológicos, a matéria livresca se abre para as apropriações de múltiplos leitores que, por sua vez, gestam, a partir do aporte de conteúdo, vestígios aqui denominados protocolos na leitura, índices gerados por múltiplos legentes -durante a experiência da leitura -, a partir de aportes de conteúdos de distintas naturezas. Ainda sobre esses últimos, podem incidir protocolos no espaço, vestígios demarcados durante a experiência e que se efetivam a partir dos deslocamentos dos sujeitos quando da leitura em si (Flexor, 2018).…”

“…Diante desse contexto, então, o artigo, de abordagem exploratória, a partir da revisão de literatura, objetiva evidenciar como os protocolos do sistema-livro, a partir dos seus algoritmos preditivos, estão a intensificar a previsibilidade das escolhas leitoras e da própria experiência do ler em si, indicando, dessa forma, o tensionamento entre os leitores modelo e empíricos, entre os protocolos do sistema e os protocolos na leitura. Para isso, o texto articula operadores conceituais da literatura livresca e da mídia, notadamente, as noções acerca dos protocolos de leitura do livro digital (Flexor, 2018) e da pragmática computacional da new media (Manovich, 2002), aproximando das noções trabalhadas por Eco (1991;1988), no que se refere à noção de obra em movimento e leitores modelo e empíricos .…”

“…Se este último se conformou historicamente a partir dos modos de registro da escrita sobre um suporte como o papel, por exemplo, no âmbito do livro digital, a matéria livresca é assentada sobre um base digital que possui propriedades que promovem uma ruptura paradigmática da sua materialidade, reconfigurando o objeto livresco e as práticas em seu entorno. A partir de uma base comum a tantos outros produtos da cultura, o livro digital se manifesta a partir da convergência de mídias e linguagens, gestando diferentes espécies de mídia-livro (Flexor, 2018), tais como appbooks, gamebooks, webbooks, dentre tantos outros. Observa-se, então, que o livro é atravessado pelas propriedades de software, apontando para a combinação de algoritmos e estrutura de dados (Manovich, 2002).…”

“…Se Chartier (2011) já apontava, no livro impresso, para uma leitura parametrizada a partir dos protocolos do autor e do editor, no âmbito do livro digital, a leitura passa a ser condicionada a protocolos específicos, aqui denominados de protocolos do livro digital (Flexor, 2018). O livro nesses ambientes passa, então, a incorporar, no processo de sua construção e (re)construção -dada a abertura da obra -, outros agentes que passam a postular vestígios ou protocolos de leitura endereçados aos muitos legentes, transformando, consequentemente, as experiências leitoras que, doravante, passam a ser impactadas por outros tipos de vestígios ensejados por novos atores envolvidos na tessitura da matéria livresca.…”