INTRODUÇÃOO movimento global de aquisições transnacionais de terra -também referenciado na literatura como land grabbing, land rush, acarapamiento e estrangeirização de terras -é um tema que ganhou atenção desde a crise alimentar de 2007/08. Milhões de hectares têm sido negociados em âmbito doméstico e internacionalmente, utilizando-se de mecanismos diversos, tomando formas novas e tendo motivações de origem variada, gerando, na maioria dos casos, efeitos sociais e ambientais negativos.Embora não se trate de um fenômeno exatamente novo, a sua recente intensidade e suas características contemporâneas trazem particularidades que têm mobilizado agentes públicos, operadores do mercado de capitais, membros da sociedade civil e da academia. Este fenômeno e sua dinâmica instigam um debate inter e multidisciplinar que efetivamente conecta dinâmicas globais e efeitos locais (COTULA, 2013; ZIE-GLER, 2013;SASSEN, 2016).Neste início de século XXI, quatro crises parecem ter impulsionado a gana de atores privados e estatais pelo investimento em terras. São as crises econômica, energética, climática e alimentar. Essas crises e o somatório de suas repercussões e reações parecem ter impulsionado os agentes com poder de investimento a buscarem tanto a redução de incertezas quanto ganhos especulativos (BRAUTIGAM, 2013;RIDELL, 2013;ZETLAND & MOLLER-GULLAND, 2013).Este movimento global de aquisições de terra (e seus recursos naturais) constitui um fenômeno extremamente complexo e multifacetado. Dentre o vasto leque de atores e autores que se encontram envolvidos neste tema, há aqueles que defendem que ele sequer existe, simplesmente porque não há nada de novo -seria o tradicional imperialismo, ou nem isso seria (OLIVEIRA, 2010;PELUSO, LUND, 2011). No lado oposto encontram-se vozes representadas por movimentos rurais, como a Via Campesina, e organizações internacionais, como o Banco Mundial, o Comitê de Segurança Alimentar da FAO e a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento, que enxergam concretude suficiente na dinâmica das aquisições transnacionais de terra para debaterem a utilidade de se construir uma governança global para normalizar essas transações, bem como os riscos que tais operações e consequências geram para a so-