As práticas corporais e esportivas têm se mostrado, há muito tempo, como um espaço no qual se pode identificar a expressão de diferentes feminilidades.1 Não é recente a aparição de mulheres cujos corpos e subjetividades tencionam representações culturalmente construídas para o feminino, o que não implica afirmar a 1 O título do artigo está livremente inspirado em Maria de Lourdes BORGES, 2005. ANGELITA ALICE JAEGER E SILVANA VILODRE GOELLNER 956 Estudos Feministas, Florianópolis, 19(3): 955-975, setembro-dezembro/2011 inexistência de árduas demandas em busca de reconhecimento e aceitação.Dentre as inúmeras práticas corporais e esportivas possíveis de observar tal afirmação, destaca-se o fisiculturismo, fundamentalmente, pela presença absolutamente visível das marcas que a potencialização muscular inscreve nos corpos das atletas e praticantes.Desde meados do século XX a espetacularização e a disseminação do culto ao músculo atravessam diferentes classes sociais, idades, raças, sexos e culturas, e, diante dos investimentos contemporâneos na aparência, o músculo trabalhado, tonificado e volumoso assume uma posição central na construção de corpos cada vez mais elaborados e hipertrofiados. Tal investimento inscreve-se na exposição de contornos meticulosamente fabricados cuja exibição conta com o uso de diferentes artifícios, tais como roupas justas, maquiagem, depilação e uso de colorantes corporais e adereços.Ainda que bastante presente no cenário urbano, a potencialização muscular não é uma prática corporal isenta de interrogações e/ou receios, principalmente quando a musculação 2 e/ou o fisiculturismo 3 são praticados por mulheres. Em diferentes artefatos culturais e mesmo na fala de mulheres e de homens, são recorrentes as preocupações em relação ao nível de extrapolação do volume muscular, que, não raras vezes, assume tons temerosos, pois é identificada como uma prática que pode colocar em questão a feminilidade de quem a vivencia.Na esteira dessa representação as atletas e praticantes de fisiculturismo, ao construírem corpos que capturam olhares pelo volume muscular, são constantemente chamadas a investir em atributos que indiquem a garantia daquilo que os seus audaciosos corpos teimam em desestabilizar, ou seja, uma feminilidade normalizada inscrita numa representação singular de gênero.Na contramão dessa perspectiva, buscamos, neste texto, visibilizar o corpo muscularmente potencializado como expressão de uma feminilidade não normalizada, ou seja, partimos do pressuposto de que essa arquitetura corporal coloca em tensão as representações binárias e biologizadas de gênero. Para tanto, analisamos as relações produzidas entre a potencialização muscular e as representações de feminilidades que emergem em discursos e imagens presentes no campo esportivo, mais especificamente, no entorno do fisiculturismo.Para perseguir os fios condutores que permitiram tencionar essa temática, buscamos sustentação teórica e metodológica nos estudos culturais 4 e em vertentes do feminismo pós-estruturalista, especialmente naquelas ...