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Frágeis deusesprofissionais da emergência entre os danos da violência e a recriação da vida Suely Ferreira Deslandes
ApresentaçãoA violência ocupa diariamente as manchetes em todos os jornais. São assassinatos, escândalos econômicos, corrupções milionárias, mortes anônimas, chacinas com requintes de crueldade, compondo um trágico painel. Banalizada e constante, a violên-cia tornou-se mercadoria para a mídia, os políticos e a 'indústria de segurança'. Muitas vezes é cruelmente 'útil' para que se vendam idéias de seletividade social e racial, para que se aprovem 'pacotes de segurança' e para que se tornem famosas propostas de lei com o objetivo de instituir medidas repressivas sob a alegação de resgate da ordem social. Todavia, não podemos sucumbir a um viés utilitarista. Ao mesmo tempo que ameaça e atemoriza, nutrindo o imaginário social de medo e fatalidade, a violência também desencadeia tolerância, movimentos de solidariedade e reivindicações em prol da ética e da valorização da vida.Contudo, é fato que as diversas formas de violência (a rigor podemos somente falar de violências sob a forma de plural, exigindo-se a especifidade de cada contexto) produzem milhares de vítimas ano a ano em nosso país. Portanto, este problema também afeta diretamente o campo da saúde, seja pelo elevadíssimo número de mortes que provoca, seja pelas inúmeras vítimas que vão constituir uma demanda imediata e complexa de cuidados médicos, psicológicos e de reabilitação.Além da ação médica, espera-se do setor saúde uma atuação mais ampliada, como sujeito da luta por cidadania e qualidade de vida dos indivíduos e populações. Mas como o setor saúde e seus agentes têm enfrentado o problema da violência? Como percebem-na e como ela interfere em seu cotidiano de trabalho? Em que medida também contribuem para reproduzir outras tantas formas de violência? Que papel podem exercer para minimizá-la ou até mesmo contribuir de uma forma comprometida com sua 'prevenção'?A partir de algumas indagações como essas escrevi este livro, que foi elaborado com base em minha tese de doutoramento. Minha proposta é, ao mesmo tempo, simples e ambiciosa. Busquei analisar a interferência cotidiana da violência na dinâmica organizacional dos serviços de saúde, nas representações e práticas dos seus agentes. Escolhi os serviços de emergência porque em nenhum outro a violência adquire tamanha visibilidade e constância, misturando-se ao próprio processo de trabalho e às distintas interações entre profissionais e clientela.Penso que este estudo ganha relevância por se realizar em um espaço que encarna algumas das principais bases ainda hegemônicas da saúde: 1) organizativas (centradas no atendimento hospitalar); 2) epistêmicas (calcadas numa racionalidade médico-científica) e 3) relacionais (baseadas em um mod...