Maternidade higiênica: natureza e ciência nos manuais de puericultura publicados no Brasil

Abstract

Neste texto pretende-se discutir as seguintes questões: Quais asprincipais motivações dos pediatras que se dispuseram a escrever manuais de puericultura nas primeiras décadas do século XX? Como se procurou tornar acessíveis às mães os conhecimentos científicos sobre a maternidade e os cuidados com os bebês? Como os pediatras procuraram orientar as mulheres em relação à gestação, ao parto e aos cuidados com seus bebês? Para compreender essas questões, parte-se de uma análisehistórica de manuais de puericultura destinados às mães e publicados no Brasil entre 1918 – quando foram reunidas em um livro as lições de Higiene Infantil proferidas no Instituto de Proteção e Assistência à Infância pelo Dr. Moncorvo Filho – e 1968, ano do surgimento da revista Pais & Filhos, que promoveu uma grande divulgação dos conhecimentos sobre a puericultura no Brasil. A análise baseia-se em textos de Michel Foucault e Nikolas Rose sobre a “governamentalidade” e a “biopolítica”.

A dedicação de um tempo “de qualidade” aos filhos: análise de um enunciado recorrente

“…Os médicos buscavam sempre e em primeiro lugar persuadir as mães de que elas deveriam criar o bebê ao seio. Ao lado dessa questão fundamental, figuravam os outros aspectos relativos à saúde das criancinhas: gestação, preparação da casa e do enxoval para receber o bebê, características do recém-nascido, doenças e vacinas, introdução dos outros alimentos, desenvolvimento, rotina e princípios educativos (Lima, 2007).…”

Construção de vínculos com as professoras no processo de transição com início de frequência de bebês em instituições de educação infantil

“…Em decorrência dessas altas taxas de mortalidade, em meados do século XVIII na França e Inglaterra, e ao longo do século XIX no Brasil, (Civilletti, 1991;Lima, 2007) articularam-se discursos concernentes à necessidade de conservação das crianças, visando a redução da mortalidade infantil. É nesse contexto, no século XVIII-XIX, que as instituições como a família burguesa e as instituições sociais de cuidado das crianças emergem.…”

“…Acerca das classes burguesas, entre meados do século XVIII e início do século XIX, iniciou-se a propagação de um conhecimento condenando antigos costumes acerca do cuidado de bebês até então vigentes, como a criação por amas-de-leite na primeiríssima infância, enfaixamento dos bebês, etc., propagados principalmente por Rousseau (1762Rousseau ( /2014 em Émile, na França. Há uma exaltação progressiva da figura materna como a responsável pela sobrevivência dessas crianças; ainda, a promoção de políticas de amamentação ao peito e a necessidade do devotamento materno são fomentadas por médicos e pela sociedade (Badinter, 1985;Donzelot, 1980;Lima, 2007).…”

“…Com o desenvolvimento da medicina no século XIX, coube ao médico a tarefa de auxiliar e educar a mãe, que era até então "incapaz" de conhecimento técnico, mas dotada do "instinto" necessário para exercer tal tarefa (Freire, 2008). Paulatinamente, no século XIX e meados do século XX, difundiu-se no Brasil uma literatura médica direcionada às mulheres de classes mais abastadas, com manuais de puericultura (Lima, 2007) e revistas femininas, nos quais se apregoava um ideário de maternidade infantil pautado em uma maneira científica de cuidado (Freire, 2008;Lima, 2007).…”

“…Autores (Badinter, 1985;Donzelot, 1980) enfatizam o domínio da teoria psicanalítica em áreas de atuação como a medicina e a emergente psicologia que começaram a se imiscuir nos serviços públicos. O que até então dizia respeito a um higienismo do corpo materno-infantil, com prescrições que envolviam a alimentação, o cuidado corporal e higiênico de ambos, em vista de evitar doenças orgânicas que poderiam levar o bebê a óbito (Lima, 2007), passou também a englobar um "higienismo psíquico", com preocupações concernentes a aspectos do desenvolvimento socioemocional da criança (Rose, 1999). No geral, essas teorias enfatizavam o papel da família, principalmente o materno, como responsáveis por salvaguardar esse desenvolvimento primevo 7 .…”