Neste artigo analisamos a construção de estereótipos sobre os imigrantes africanos na Folha de S. Paulo durante a cobertura do surto epidémico de ébola no continente africano, em 2014. Damos especial atenção ao modo como o jornal noticiou o caso de suspeita de contágio do imigrante guineense Soulyname Bah. Observamos que houve, por meio da lógica do medo, um processo de marcação identitária expressa na oposição entre "nós" e "eles", promovendo a repulsa à diferença pela ressignificação das características da etnia africana enquanto marcador de risco à saúde. Na sociedade do risco, a cobertura jornalística sobre o ébola -e de outras pandemias -revela um paradoxo crucial da nossa época: o apogeu de avanços científicos humanos que, apesar de tudo, não têm necessariamente atenuado os nossos medos e pânicos sobre potenciais perigos. Nesse contexto, a imigração configura-se como uma questão de segurança e é entendida como uma pluralidade de ameaças (terrorismo, crime, doença e desemprego). Dessa forma, como concluímos neste trabalho, a securitização da imigração é um processo que substitui a consideração de problemas sociais estruturais por práticas discursivas, tecnológicas e institucionais que permitem a identificação e a responsabilização de grupos específicos.
Palavras-chaveMigração; risco; estereótipo; ébola; jornalismo Introdução O ano de 2014 registou o maior surto de contaminação por ébola desde a descoberta do vírus, em 1976. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) tinham sido registadas, até ao mês de dezembro de 2014, 6.583 mortes de um total de 18.188 casos identificados na África Ocidental. Esse surto da doença, iniciado em dezembro do ano anterior na Guiné, avançou nos meses seguintes para a Libéria, Serra Leoa, Nigéria e Senegal. A partir daí, intensificou-se a preocupação com a possibilidade de uma pandemia de ébola, notória nos vários meios de comunicação e nas organizações internacionais de saúde, à escala mundial (OMS, 2014).À medida que a doença alastrava, ficava patente no debate público o "problema" da relação entre o ébola e as migrações. Jean-Marie Le Pen, fundador do partido de extrema-direita francês Frente Nacional (FN), chegou a afirmar que o surto de ébola poderia resolver, tanto o problema da "explosão populacional" do mundo, como o da imigração para a Europa (Folha de S. Paulo, 2014, 22 de maio, p. 2). Com efeito, alguns setores mais conservadores de países ocidentais têm vindo a apresentar a migração como estando associada ao aumento dos riscos interferindo, assim, sobre a economia,