Ficções contemporâneAs: históriA e memóriA teóricos do XVIII, XIX e até mesmo do início do XX, defendiam a inadaptação feminina para a abstração, a invenção e a síntese. Segundo a historiadora, mesmo para Freud, a grande invenção feminina para a humanidade teria sido a tecelagem. (PERROT, 2012, p. 96-97).Se criar não é propriedade feminina, as mulheres são incapazes de criar textos ficcionais. Portanto, para elas, escrever não foi tarefa e conquista fáceis. Suas escritas ficavam restritas ao domínio do privado. Do diário, das anotações familiares, da contabilidade da casa. O sucesso com a escrita fora do círculo caseiro, no "mercado editorial", era uma batalha. De acordo com Zahidé Muzart, em Escritoras do século XIX, muitas mulheres produziram literatura no Brasil oitocentista, poucas apareceram nas histórias da literatura brasileira 1 (MUZART, 1999, p. 17). Na pesquisa realizada por Muzart, a autora encontrou numerosas escritoras que escreveram, naquele período, em diferentes gêneros:"das cartas e diários, dos álbuns e cadernos aos romances, poemas, crônicas e contos, dramas e comédias, teatro de revista, operetas, ensaios e crítica literária" (MUZART, 1999, p. 23).A literatura, no século XIX, era privilégio das classes mais altas, [...] constituía uma importante vertente de lazer e cultura da qual as mulheres não estavam excluídas, como leitoras, como ouvintes, como assistentes, nos salões e teatros. Mas do outro lado, o de quem produz literatura, que já beirava o profissionalismo, deste a mulher esteve excluída por preconceito, pela religião, pelos limites do papel que deveria desempenhar na sociedade burguesa (MUZART, 1999, p. 24-25).Mesmo assim, ao longo do século XIX, conforme afirma Perrot, era grande o número de mulheres que tentavam ganhar a vida pela pena. Escreviam em 1 Sobre o cânone e o lugar da escrita feminina, Muzart comenta: "A questão do cânone é estudada por vários autores e pela crítica e teoria contemporâneas. Na verdade, muito além de um tema recorrente da crítica de hoje é um tópico feminista dominante e uma questão crucial para nosso ensaio. Nesta pesquisa, procuramos discutir as razões da marginalização das mulheres e sua ausência no cânone literário brasileiro. Ao mesmo tempo em que gostaríamos de vê-las inseridas nas histórias da literatura, não nos agrada vê-las separadas num espaço exclusivo, tal como se encontram na História da Literatura Brasileira, de Luciana Stegagno-Picchio, recentemente editado no Brasil pela Nova Aguilar, em que temos um capítulo intitulado 'A escrita das mulheres' e outro, 'Poetas mulheres'. Também no livro de Dominique Rincé e Bernard Lecherbonnier, Littérature -textes et documents, as mulheres estão segregadas num capítulo dedicado somente a elas. [...] Lutar pela inserção das mulheres no cânone literário é uma questão feminista: a inclusão das marginalizadas" (MUZART, 1999, p. 25).