Na parede cega, abrem-se olhos em forma de ó.Um a um, bloco a bloco, formam aerado, arenoso dominó. Esta tese de doutorado estuda a preservação dos conjuntos residenciais modernos empreendidos entre 1930 e 1964 no Brasil. Tais conjuntos residenciais são exemplares importantes da história da arquitetura moderna brasileira e têm sua salvaguarda seriamente ameaçada. Integrando as agendas da preservação e da habitação social, propomos estudá-los e entendê-los como patrimônio cultural, objetivando definir parâmetros conceituais e traçar estratégias de gestão e de preservação. Pretendemos tomar parte no debate sobre a preservação da arquitetura e do urbanismo modernos a partir do tópico da habitação social, enfrentando as questões da atribuição de valor e da atualidade e obsolescência das propostas do morar moderno. Para tanto, estudamos a historicização e a atribuição de valor à arquitetura moderna, suas relações com a historiografia da arquitetura e a construção de memória da arquitetura moderna no Brasil a partir dos anos 80 e as preservações no exterior e no Brasil, feita pelo Iphan, Inepac e Condephaat. Debatemos a habitação social e patrimônio cultural por meio do estudo dos tombamentos de vilas operárias e conjuntos residenciais, com foco no Conjunto Residencial do Pedregulho, estudado em detalhe na sua trajetória desde construção até os desafios do presente. Compreendeu-se que a "versão canônica" da arquitetura brasileira foi urdida decisivamente por Lucio Costa em "Razões da nova arquitetura" e "Depoimento de um arquiteto carioca" e consolidada por Goodwin, Mindlin e Bruand. Nessas visões, a arquitetura moderna brasileira foi caracterizada por suas inovações na relação com o meio, como a utilização de quebra-sóis (brises e cobogós) e o papel fundamental da arquitetura colonial. Os conjuntos residenciais aparecem em Brazil Builds, mas não investidos de sentido, e vão, progressivamente, desaparecendo na construção da nossa história da arquitetura, até selar-se seu destino com a tese do francês Yves Bruand. Para este, a questão da arquitetura brasileira não era social, nem mesmo econômica. O rápido crescimento econômico fez emergir uma elite que soube tirar partido dos progressos técnicos da construção civil e os interesses públicos ficaram em segundo plano. Neste contexto, seria inútil esperar uma "arquitetura voltada para um planejamento global ou vinculado às grandes realizações sociais". 10 A escolha de Le Corbusier, por parte dos brasileiros, como o grande mestre seria bastante lógica, já que resultante das condicionantes locais de florescimento da arquitetura moderna nacional. As preocupações democráticas de Gropius jamais teriam lugar numa sociedade oligárquica e rural. Do mesmo modo, o refinamento tecnológico de Mies van der Rohe, baseado na mão-de-obra especializada e feita com materiais industrializados, seria impossível num país onde "nenhum desses princípios poderia ser resolvido satisfatoriamente". 11 Para o autor, a crítica de Max Bill seria sem sentido, pois buscava algo na arquitetura brasileira ...